O artigo abaixo transcrito é uma boa aproximação, se é que pode haver qualquer coisa de boa nessa história, a uma terrível realidade no Brasil, a outra sendo essa extorsão que deriva da regra surrealista de que é impossível escapar da mentira que você está comprando qualquer coisa em “seis vezes sem juros”.
Os impostos são escorchantes, no Brasil, e vão continuar sendo durante muito tempo...
Ou alguém acredita que pode ser de outra forma?
Santa ignorância: Governos gastam quanto querem porque poucos sabem que os impostos tomam de 30% a 50% do preço de tudo
Brasil S/A:: Antônio Machado
Correio Braziliense, 19 abril 2006
A facilidade com que os governantes encontram no país os recursos para custear qualquer despesa – das relevantes, como a manutenção da saúde pública, às supérfluas, como o inchaço de assessores de coisa nenhuma e a passagem comprada aos russos para que um oficial da Aeronáutica fosse de passageiro na nave Soyuz passear no espaço –, tem tudo a ver com a falta de transparência sobre o que é feito com os dinheiros dos impostos arrecadados ao contribuinte.
Os mais instruídos pagam bufando, embora não poucos entre eles, especialmente os mais abonados, acreditem que as suas milionárias consultorias os façam recolher menos imposto do que deveriam. O que é verdade, mas nada alivia a carga tributária, pois a conta do que gastam os poderes (governos federal, estadual e municipal, os legislativos e o judiciário) sempre será rateada – e, no fim, seja empresa, banco ou biboca, não são eles, mas as pessoas de carne e osso que pagam os impostos, porque tudo é repassado para o preço.
Não escapam deles os que vivem de salário e mal ganham para virar cliente dessas firmas de “engenharia tributária”. A classe média, nesse grupo, é a mais prejudicada, já que os bens e serviços de qualidade, conforto e status são os mais tributados. E os pobres? São os desventurados do Fisco: pagam sem saber, e não é que paguem pouco pelos gêneros de primeira necessidade que formam a sua cesta básica cotidiana, além de acreditar, sobretudo os assistidos pelos programas de distribuição de renda, que devem agradecer todo dia à bondade do governo de plantão.
Em entrevista à revista dos contadores de São Paulo, o analista de controle externo do Tribunal de Contas da União, TCU, Danilo Adelwal Mendes Reis, foi direto ao ponto. O Estado, segundo ele, não tem interesse em disponibilizar para a sociedade o quanto é pago de imposto e quanto é devolvido sob a forma de serviços – que, quando disponíveis, são péssimos. “Isso criaria um cidadão crítico, o que não interessa à estrutura do poder”, disse.
Leviatã esfomeado
Para onde vai o dinheiro? Ao apurar a morte por desnutrição, no ano passado, de 38 crianças guaranis-kaiowá atendidos pela Funasa, Fundação Nacional da Saúde, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) constatou que esse órgão público gastava 90% de sua dotação com atividades meio e apenas 10% com serviços à população. Um recente levantamento da população escolar na rede pública pelo Ministério da educação encontrou uma discrepância de 13 milhões de alunos. Seriam fantasmas, cadastrados pelas prefeituras ou escolas para receber e desviar os repasses do Fundef, o Fundo da educação.
Dos 24 bilhões de beneficiários da Previdência, estima-se em 3 milhões o número de benefícios fraudados. Do recadastramento em curso já foram canceladas pouco mais de 80 mil aposentadorias. É só ir somando os desperdícios, fraudes. Historicamente, 20% das obras públicas fiscalizadas pelo TCU têm sinais de irregularidades graves, sobretudo superfaturamento. Adicionem-se à lista projetos privados transferidos com ônus ao Tesouro, como usinas de energia e as pressões para o governo absorver o pepino da Varig, o inchaço dos quadros de funcionários do Congresso, os cartões de crédito da Presidência sobre os quais não há nenhum controle, coisas assim e se vai entender por que o Leviatã cobra tanto imposto no Brasil.
Preços sem impostos
Se na venda de qualquer produto e serviço fosse discriminada a parcela de impostos embutidos no preço, possivelmente fosse outra a passividade bovina do contribuinte e mesmo desinformados teriam a consciência de que o governo não faz nada de graça: apenas tira de um para dar a outro. Às vezes, quando ajuda com uma mão, cobra o benefício com a outra. Pegue-se a cesta básica. Nela, segundo os organizadores do site contribuintecidadão.org.br, um pacote de biscoito paga 38,5% de impostos; um quilo de açúcar, 40,5%; leite longa vida, 33,63%. Na construção de uma casa popular, estimada em R$ 45 mil, os impostos tomam R$ 22,5 mil, quase a metade do custo.
Uma latinha de cerveja recolhe mais de impostos que o seu preço: 56%. Um aparelho de TV ou DVD, 38%. Conta de luz, 43,2%. Telefone, de 40% a 63%. Se a sociedade soubesse disso antes de votar, pode ser que os desperdícios e fraudes fossem menores.
Sem consciência do contribuinte sobre o problema fiscal, nunca se avançará em sua correção. O cidadão lê que a economia vai bombar, o risco-país é o menor desde que foi criado, a Selic a 14,75% ao ano (se o BC cortar 0,75 ponto de percentagem nesta quarta-feira) é a mais baixa da história, a dívida externa foi exorcizada, o dólar perdeu os dentes, a inflação está mansa, o emprego cresce.
Só pode supor, com razão, que é doido quem fala em problemas. Mas é a história da roda-gigante: roda, roda e não sai do lugar. O BC deveria pagar a aposta e sair de campo: isto é, fazer o que pedem os industriais e deixar a economia crescer acima do PIB potencial. Se a inflação não ressurgir, muito bem, ninguém atacará o BC. Mas, se voltar com tudo, aí não tem choro nem vela: é o Estado e seus gastos que não cabem no PIB, não havendo o que discutir. Antes, já no fim deste ano, porém, ou o novo presidente induz a legislatura atual, que se despede e não tem mais nada a perder, a aprovar um pacote de aumento de impostos ou fará vazar que sua equipe prepara um choque fiscal para cortar gastos. Esperem para ver.
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