quarta-feira, julho 29, 2009

66) Mestrado em Direito: Economia Politica Internacional

Para o Segundo Semestre de 2009

CEUB – Centro Universitário de Brasília.
CURSO: Mestrado em Direito das Relações Internacionais.
DISCIPLINA: Economia Política Internacional
DOCENTE: Prof. Paulo Roberto de Almeida

Plano de Curso – 2 Semestre 2009
Economia Política Internacional

I. Ementa
Discussão aprofundada das relações econômicas internacionais, com destaque para os temas que apresentam relevância para a inserção internacional do Brasil, quais sejam, os das instituições e práticas do comércio internacional, da política comercial externa do País, das finanças internacionais e das relações financeiras externas do Brasil, bem como a teoria e os processos de integração, em especial aqueles em que se encontra envolvido o Brasil.

II. Objetivos
Familiarizar os alunos com os conceitos relevantes e com os processos econômicos fundamentais da era da globalização. Aprofundar o conhecimento sobre a experiência brasileira de inserção econômica internacional, com exame e discussão da participação do Brasil nos processos negociadores multilaterais nos campos econômicos (comércio, finanças e moeda, investimentos, propriedade intelectual e tecnologia etc.).

III. Conteúdo programático da disciplina

1. O debate sobre a globalização: teoria e prática de um processo contraditório
(introdução; estado da questão, teses e antíteses; cacofonia prática; falta de consenso teórico)
2. Fases do desenvolvimento capitalista desde o mercantilismo
(grandes linhas do desenvolvimento da economia mundial e traços predominantes na era global)
3. Etapas da evolução econômica do Brasil: do fechamento à abertura
(breve sumário do desenvolvimento econômico brasileiro no quadro mundial; fases e características)
4. Fim do socialismo e fechamento das alternativas ao capitalismo global
(significado das alternativas; impacto sobre a divisão internacional do trabalho)
5. Emergência da interdependência econômica contemporânea
(da confrontação global entre impérios rivais à imbricação dos sistemas econômicos nacionais)
6. As companhias multinacionais: mudanças de padrão
(emergência e afirmação da grande firma multinacional: etapas desde a segunda revolução industrial)
7. O papel do Estado: irrelevância prática ou nova importância econômica?
(um comitê a serviço da burguesia, como queria Marx?; complexidade da economia contemporânea)
8. A globalização financeira: movimentos de capitais e crises financeiras
(volatilidade como traço interno às economias dependentes; tipos e modalidades de especulação)
9. A fragilidade financeira externa do Brasil: fim da vulnerabilidade?
(da belle époque ao controle de capitais e à liberalização dos fluxos; posição do Brasil na atualidade)
10. A globalização da produção: o Brasil como receptor de investimentos estrangeiros
(investimento estrangeiro direto, desnacionalização e novos modos da interdependência)
11. A globalização do comércio: o Brasil como um pequeno comerciante global
(coeficiente de abertura, papel do comércio e trajetória brasileira nas negociações)
12. Os blocos econômicos e o futuro da globalização: o Brasil e a integração regional
(regionalização como mini-globalização: complementaridades e desvios)
13. Problemas globais: fome, meio ambiente, distribuição de renda
(os novos problemas globais: papel da globalização no agravamento ou solução dos problemas)
14. Vantagens e desvantagens da globalização e seu papel no desenvolvimento
(globalização e globobagens: mitos e fatos da globalização e a posição do Brasil: dados)
15. O Brasil e sua inserção econômica internacional
(um global player limitado e introvertido; o Brasil na pré-globalização e os riscos)

IV. Bibliografia indicativa
Adda, Jacques. As origens da globalização da economia (São Paulo: Manole, 2004)
Aghion, Philippe e Jeffrey G. Williamson (eds.) Growth Inequality and Globalization: Theory, History, and Policy (Cambridge, Mass.: Cambridge University Press, 1999)
Almeida, Paulo Roberto de. Relações Internacionais e Política Externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (2ª e.; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004)
———. Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (2a. ed.: São Paulo-Brasília: Senac-Funag, 2005)
———. Os Primeiros Anos do Século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Paz e Terra, 2002)
———. O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999a)
———. Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez Oliveira, 1999b)
———. Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: Ltr, 1998)
Aron, Raymond: Paz e Guerra entre as Nações (São Paulo: IMESP, 2002)
Arrighi, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo (Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora UNESP, 1996)
Banco Mundial. Globalização, crescimento e pobreza (São Paulo: Editora Futura, 2003)
Baumann, Renato (org). O Brasil e a Economia Global (Rio de Janeiro: Campus-SOBEET, 1996)
Becker, Bertha G. e Claudio A. G. Egler. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993)
Boyer, Robert e Daniel Drache (eds.). States Against Markets: the limits of globalization. Londres: Routledge, 1996
Buckley, Peter J. and Casson, Mark (eds.). Multinational enterprises in the world economy: essays in honour of John Dunning (Brookfield, Vt.: E. Elgar Pub., 1992)
Beinhocker, Eric D.: The Origin of the Wealth: Evolution, complexity, and the Radical Remaking of Economics (Boston: Harvard Business School Press, 2006)
Campos, Roberto. A Lanterna na Popa: memórias (Rio de Janeiro: Toopbooks, 1994)
Carvalho, Maria Izabel Valladão; Santos, Maria Helena de Castro (orgs.): O século 21 no Brasil e no mundo (Bauru, SP: Edusc, 2006)
Casella, Paulo Borba e Mercadante, Araminta de Azevedo (orgs.). Guerra Comercial ou integração mundial pelo comércio: a OMC e o Brasil (São Paulo: LTr, 1998)
Clapham, Sir Michael. Multinational enterprises and nation states (London: Athlone Press, 1975)
Das, Dilip K. Financial globalization and the emerging market economies (New York: Routledge, 2004)
Desfarges, Philippe Moreau. Les relations internationales dans le monde aujourd’hui: entre globalisation et fragmentation (4a. ed, Paris: Ed. S.T.H., 1992)
Diamond, Jared: Armas, Germes e Aço (RJ; Record, 2001)
———. Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (3ª ed.; Rio de Janeiro: Record, 2006)
Dunning, John H. Multinational enterprises and the global economy (Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1993)
Eichengreen, Barry. Globalizing Capital: a history of the international monetary system. (Princeton: New Jersey: Princeton University Press, 1996); edição bras.: A Globalização do Capital (São Paulo: Editora 34, 2002)
———. Toward a New International Financial Architecture. (Washington: Institute for International Economics, 1999)
Ferguson, Niall: The War of the World: history’s age of hatred (Londres: Penguin, 2006)
———. Colossus: the rise and fall of the American empire (New York: Penguin Books, 2005)
———. Empire: the rise and demise of the British world order and the lessons for global power (New York: Basic Books, 2003)
———. The cash nexus: money and power in the modern world, 1700-2000 (New York: Basic Books, 2001)
Franco, Gustavo H. B.: Crônicas da convergência: ensaios sobre temas já não tão polêmicos (Rio de Janeiro: Topbooks, 2006)
Frenkel, Jacob A. Globalization, instability, and the world financial system (Bryn Mawr, Pa.: The American College, 1999)
Frieden, Jeffrey: Global Capitalism: Its Fall and Rise in the Twentieth Century (New York: Norton, 2006)
Gauthier, André. L’Économie Mondiale depuis la Fin du XIXe siècle. (Paris: Bréal, 1995)
Germain, Randall D. (ed.). Globalization and Its Critics: Perspectives from Political Economy. (New York: St. Martins Press, 2000)
Gershenkron, Alexander. Economic Backwardness in Historical Perspective (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1962)
Giambiagi, Fabio; Barros, Octavio (orgs.). Brasil globalizado (Rio de Janeiro: Campus, 2008)
Gilpin, Robert. The Political Economy of International Relations (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1987; edição brasileira: A Economia Política das Relações Internacionais; Brasília: UnB, 2002)
———. Global Political Economy (Princeton, NJ.: Princeton University Press, 2001; ed. bras.: O Desafio do Capitalismo Global; Rio de Janeiro: Record, 2004)
Goldin, Ian, Odin Knudsen e Dominique van der Mensbrugghe. Trade Liberalisation: global economic implications, (Paris-Washington: OECD-World Bank, 1993)
Gonçalves, Reinaldo et alii. A Nova Economia Internacional: uma perspectiva brasileira (Rio de Janeiro: Editora Campus, 1998)
Graham, Edward M. Fighting the wrong enemy: antiglobal activists and multinational enterprises (Washington: Institute for International Economics, 2000)
Held, David e Anthony G. McGrew (eds.). Global Transformations Reader: An Introduction to the Globalization Debate (Londres: Blackwell Publishers, 2000); edição bras.: Prós e Contras da Globalização (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001)
Hirst, Paul e Grahame Thompson. Globalization in Question : The International Economy and the Possibilities of Governance (2a. ed.: New York: Polity Press, 1999); edição bras.: Globalização em Questão (Petrópolis: Vozes, 1999)
Holton, Robert. Globalization and the Nation-State. New York: St. Martins Press, 1998
Hurrel, Andrew, Ngaire Woods e R. Albert Berry (eds.). Inequality, Globalization, and World Politics. (Oxford: Oxford University Press, 1999)
Kehoane, Robert O. After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy. (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1984)
Keylor, William R.: The Twentieth-Century World: an international history (Oxford: Oxford University Press, 1996)
Kindleberger, Charles P. World Economic Primacy, 1500 to 1990 (New York: Oxford University Press, 1996)
———. Manias, Panics, and Crashes: A History of Financial Crises (4th ed.; New York: John Wiley, 2000; 1st ed.: 1978).
Lacerda, Antonio Correa de (org.). Crise e oportunidade: o Brasil e o cenário internacional (São Paulo: Lazuli, 2006)
———. O Impacto da Globalização na Economia Brasileira (São Paulo: Contexto, 1998)
Lafer, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998)
Landes, David S.: A Riqueza e a Pobreza das Nações: por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres (Rio de Janeiro: Campus, 1996; orig.: The Wealth and Poverty of Nations (New York: Norton, 1998)
Lewis, Mervyn K. (ed.). The globalization of financial services (Northampton, MA: Edward Elgar Publishing, 1999)
Maddison, Angus. Monitoring the World Economy, 1820-1994 (Paris: OECD, 1995)
———. The World Economy: a Millenial Perspectiva (Paris: OECD, 2001)
Magnoli, Demétrio. Relações Internacionais: teoria e história (São Paulo: Saraiva, 2005)
———. História das Guerras (São Paulo: Contexto, 2006)
McWilliams, Wayne; Piotrowski, Harry: The World Since 1945: a history of international relations (Londres: Lynne Riner, 1997)
Ocampo, José Antonio et al. (eds.). Financial globalization and the emerging economies (Santiago: Economic Commission for Latin America and the Caribbean; Rome: International Jacques Maritain Institute, 2000)
Oliveira, Henrique Altemani; Lessa, Antônio Carlos (orgs): Relações internacionais do Brasil: temas e agendas (SP: Saraiva, 2006, 2 vols)
Oliveira, Odete Maria de (coord.). Relações Internacionais & globalização: grandes desafios (Ijuí: Ed. Unijuí, 1997)
O’Rourke, Kevin e Jeffrey G. Williamson (eds.). Globalization and History: The Evolution of a Nineteenth-Century Atlantic Economy (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1999)
Pearce, Robert D. The internationalisation of research and development by multinational enterprises (New York: St. Martin's Press, 1989)
Prasad, Eswar et al. Effects of financial globalization on developing countries: some empirical evidence (Washington: Internationl Monetary Fund, 2003)
Resende, André Lara (org). Políticas para o Crescimento: a experiência da América Latina (Brasília: Banco Central/Fundo Monetário Internacional, 1995)
Reynolds, David: One World Divisible: a global history since 1945 (New York: Norton, 2000)
Ricupero, Rubens. O Brasil e o dilema da globalização (São Paulo: Senac, 2001)
Rocha, Angela da. A Internacionalização das Empresas Brasileiras - Estudos de Gestão Internacional (Rio de Janeiro: Mauad, 2002)
Rodrik, Dani. Has Globalization Gone too Far? (Washington: Institute for International Economics, 1997)
Rosencrance, Richard. The Rise of the Trading State: Commerce and Conquest in the Modern World (New York: Basic Books, 1986)
Saraiva, José Flavio Sombra (org.): História das relações internacionais contemporâneas: da sociedade global do século XIX à era da globalização (São Paulo: Saraiva, 2006)
Scott, Alan (ed.). The Limits of Globalization : Cases and Arguments (Londres: Routledge, 1997)
Skidelsky, Lord Robert. The Road From Serfdom: the economic and political consequences of the end of communism (New York: Penguin Press, 1996; 1ª ed.: The world after communism: a polemic for our times; London: Macmillan, 1995)
Van Der Wee, Herman. Histoire Économique Mondiale, 1945-1990 (Louvain-la-Neuve: Academia-Duculot, 1990)
Veiga, Pedro Motta (org.). O Brasil e os Desafios da Globalização (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000)
Vernon, Raymond. In the hurricane's eye: the troubled prospects of multinational enterprises (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1998)
Warsh, David: Knowledge and the Wealth of Nations: a History of Economic Discovery (New York: Norton, 2006)
Yergin, Daniel; Stanislaw, Joseph: The Commanding Heights: The Battle for the World Economy (New York: Touchstone, 2002)

V. Metodologia de ensino.
As aulas cobrirão 45 horas-aula e constarão de aulas expositivas, de leituras orientadas, seminários, debates contraditórios. Cada um dos itens do conteúdo programático serão expostos pelo professor e debatidos pelos alunos e sistema de seminários. Cada aluno apresentará pelo menos um tópico, sobretudo no que refere à importância do tema escolhido para o Brasil. O sistema de eleição será feito em comum acordo com o professor e com os demais colegas.

VI. Avaliações.
A avaliação levará em consideração três aspectos: a) a participação do aluno nas discussões em sala de aula; b) a apresentação individual de seu tema nos seminários; c) a entrega de uma monografia de final de curso com um mínimo de 15 e um máximo de 30 páginas, dentro das normas do manual de monografias do Curso de Direito do UniCEUB, sobre um dos temas focados no programa.

Paulo Roberto de Almeida
29 de julho de 2009
Materiais de curso disponíveis na página do Professor:
www.pralmeida.org, seção Academia,
ou num dos blogs disponíveis para esse efeito,
mais especificamente no Blog Academia:
http://pracademia.blogspot.com/

sexta-feira, julho 24, 2009

65) Juros Negativos: enxugando gelo...

Os custos do juro negativo
João Carlos de Oliveira, para o Valor, de São Paulo
Valor Econômico, 24/07/2009

Em 30 países, o preço do dinheiro cai até níveis ínfimos e em 15 já se encontra abaixo de zero, num cenário dominado pela recessão e pelo receio de que a inflação pode voltar.

A pessoa investe em gelo as economias que acumulou durante anos de trabalho. Depois, deixa no sol para que derretam. Assim é viver em um país onde as taxas de juros são negativas. Isto é, a taxa nominal de juros corre abaixo da inflação estimada. Ou seja, o rendimento de aplicações não é suficiente para manter o valor real da poupança. Logo, os recursos já não são mais compatíveis com a aposentadoria prevista, a viagem acalentada ao exterior ou com as despesas de educação dos filhos.

Hoje, no mundo, as populações de 15 países, de um conjunto de 45 considerados os mais representativos da economia global, convivem com juros negativos, como mostra tabela elaborada pelo Valor Data a partir de dados da Bloomberg e estimativas para o comportamento dos preços que constam do relatório World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional (ver tabela na página 13).

Em outros 15 países, os juros reais oscilam entre zero e 1%. Deste segundo conjunto fazem parte os integrantes da Zona do Euro e os Estados Unidos - onde os juros só são positivos por causa da deflação. Este é também o caso do Japão - que convive com deflação e baixíssimos juros e taxas de crescimento desde o inicio da década de 1990 -, da Suíça e da Suécia.

Em apenas oito países os juros reais estão acima de 4%, entre os quais o Brasil e a China (em sua última reunião, o Copom reduziu a taxa básica de 9,25% para 8,75%). Mas a tendência é, nesse caso, de queda, já no curto prazo. Antes de tratar das exceções, porém, cabe olhar mais de perto o que é a regra na cena mundial, o fato de que os juros reais são baixos.

Há um círculo vicioso que vincula juros próximos de zero a um processo agudo de queda dos preços. Na tentativa de zerar, ou reduzir até onde possível, a perda financeira efetiva, o investidor contém gastos e aumenta o valor poupado. A queda do consumo faz cair o nível de atividade, o que abre a temporada de liquidações. No limite, na expectativa de que o preço amanhã será sempre menor que o de hoje, o consumo é adiado e a economia definha.

A economia mundial já caiu antes nesse buraco. Foi em 1929. Com a tabela fica claro que, e essa é a fotografia do momento, já não é necessário recorrer aos livros para saber o que é a tal "armadilha da liquidez", o conceito original elaborado por John Maynard Keynes. Na prática, essa situação ocorre quando a taxa de juros nominal se aproxima de zero ou o atinge e a autoridade monetária se vê impedida de estimular a economia usando os instrumentos tradicionais da política monetária. O mesmo ocorre quando, e é o caso atual dos Estados Unidos, há deflação. Nesse caso, recomendava Keynes, a melhor forma de impedir a depressão é o Estado investir, gerando renda e consumo, para limitar ou minimizar a queda da atividade.

Em 1929 não se fez isso. Os países deixaram, em um primeiro momento, que o mercado cuidasse do ajuste - e um em cada quatro americanos acabou desempregado, com amplos reflexos econômicos, sociais e políticos em todo o mundo.

As lições do passado estão na base do cenário de juros visto na economia global de hoje. Para evitar que a história se repetisse como uma enorme tragédia, fez-se algo inédito: governos e bancos centrais agiram de forma concertada, reduzindo juros, injetando liquidez e aprovando pacotes bilionários para limitar o alcance e a duração da recessão. Muitos bilhões depois, contudo, os sinais não são indiscutivelmente alentadores.

Os juros que vigoram na cena mundial são, na definição de Edmar Bacha, um dos pais do real e, atualmente, consultor sênior do Itaú BBA, "taxas de depressão". "Esse quadro de juros no mundo é produto de uma crise muito forte, de uma destruição de riqueza muito grande, de uma queda do consumo muito importante." Olhando de outro ângulo, "é fruto da tentativa dos bancos centrais de adotarem uma política anticíclica", comenta Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central.

Em alguns casos, como notadamente é o dos Estados Unidos, as taxas de juros já caíram tanto e com tamanha intensidade que, como diz Bacha, "estão esgotadas as possibilidades de usar a redução dos juros como forma de incentivar as economias". É a armadilha, de novo. Bacha observa, porém, que os bancos centrais não ficaram paralisados. "É essa política de expansão quantitativa, com a recompra das dívidas, com a injeção de recursos. São essas políticas de crédito."

Mesmo essas políticas têm limites. Como lembra Goldfajn, o próprio Fed (banco central americano) parou de fazer esse tipo de operação. Motivo: o mercado passou a enxergar inflação para os próximos dez anos. "Nos próximos dois anos, a percepção é de que não haverá inflação, dado o nível de capacidade ociosa da economia. Mas, para dez anos, a perspectiva é de volta da inflação. E essa perspectiva se acentua com a injeção de liquidez." Essa percepção já está afetando e aparecendo na curva de juros futura. "Nos títulos do Tesouro americano de dez anos, as taxas já refletem essa aposta, subiram de 2% para 4%, e agora estão oscilando em torno de 3,6%".

Outra preocupação que também já aparece na curva de juros é com o endividamento crescente, especialmente dos Estados Unidos e do Reino Unido. A dívida dos Estados Unidos, exclusivamente do governo federal, como resultado das ações para limitar a depressão, vai sair do patamar de 40% do PIB para 80% do PIB, calcula-se.

"O que há de novo é que a política de juros dos Estados Unidos poderá ser afetada pelo grau de endividamento, exatamente como ocorreu com países como o Brasil", diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, estrategista-chefe da Quest Investimentos e ex-ministro das Comunicações.

Isso também já se viu, em outra dimensão, no passado, quando um misto de inflação e crescente endividamento foi combatido com golpes de juros por Paul Volcker. As taxas de dois dígitos quebraram os países latino-americanos, além da cidade de Nova York, por exemplo.

Também por isso, afirma Goldfajn, Ben Bernanke, presidente do Fed, já disse publicamente que o Tesouro americano precisa dar sinais para o mercado de que a rota do endividamento será contida e que haverá estabilidade dos gastos públicos.

Na prática, enfim, o que Goldfajn está dizendo é que o Fed se encontra em uma nova encruzilhada, já que o instrumento de que dispõe atualmente para atuar na economia, injetando liquidez, afeta negativamente a curva de juros, elevando as taxas dos títulos de 10 e 30 anos, o que pode abortar o processo de recuperação.

Para ele, por isso, o Fed pode, agora, fazer pouco (para estimular a economia) e a bola está com Barack Obama, já que depende do governo federal sinalizar que a questão fiscal será enfrentada e como será. "Ele é o cara."

Contudo, a aposta do mercado de que a injeção de recursos provocará inexoravelmente inflação no futuro - imaginando que por futuro se entenda uma década - não é necessariamente uma verdade. Vai depender, de novo, do tamanho e desdobramentos da crise. O economista Paul Krugman lembrou, em artigo recente, que a base monetária dos Estados Unidos dobrou entre 1929 e 1939, e os preços caíram 19% nesse período de dez anos.

Além disso, convém destacar, a economia americana, em particular, e a mundial ainda não reagiram o suficiente - com a exceção da China, que pode voltar a crescer 8%.

Respondendo a pressões dos mercados e de políticos para que revele qual seria a "estratégia de saída" das políticas que têm sido adotadas para dar sustentação à economia, Bernanke disse, em depoimento no Congresso, que o Fed tem, sim, esse plano de escape. "As medidas extraordinárias que tomamos como resposta à crise financeira e à recessão poderão ser revogadas sem nenhum problema, na ocasião oportuna." O Fed poderia aumentar os juros pagos pelo uso de reservas bancárias, para ajudar a fixar um piso para as taxas de juros, disse Bernanke. Também existe a opção de vender títulos de longo prazo. Bernanke enfatizou, porém, que o Fed não pretende implementar essas medidas enquanto a economia continuar fragilizada.

"A recessão estava ganhando de 3 a 0 (quando as medidas contracíclicas foram adotadas nos Estados Unidos)", compara o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Para ele, com o pacote de estímulos e com a injeção de liquidez foi dado um piso para o processo de deflação de ativos - as dívidas, afinal, foram recompradas por preços fixados pelo Fed - e o que se conseguiu até aqui foi, em termos de atividade, impedir que a crise se aprofundasse. A economia "caiu mais devagar".

Contudo, afirma Belluzzo, "o risco é, se os juros subirem, de a retomada, mesmo tímida, ser abortada e surgir um novo miniciclo recessivo. Foi o que aconteceu entre 1937 e 1938, no governo Roosevelt". Para evitar isso, Belluzzo entende que o Fed deve continuar atuando, recomprando dívidas (o que equivale a injetar recursos) na tentativa de deslocar a curva de juros longos para baixo.

De fato, apenas para recordar o período Roosevelt, eleito para tirar o país do atoleiro de 1929 e marcado pelas políticas do New Deal, a economia dos Estados Unidos cresceu rapidamente, de 1933 a 1937, mas o desemprego se manteve em torno de 15% até 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Contudo, quando, em 1937, aumentou a receita (um efeito da recuperação), a política fiscal do governo Roosevelt foi contracionista, na tentativa de equilibrar o orçamento. No mesmo ano, para combater o aumento da liquidez, o Fed subiu as taxas de juros e elevou o depósito compulsório dos bancos. Na época, uma das poucas vozes contrárias foi a do economista Milton Friedman.

Voltando aos dias de hoje, apesar das divergências sobre a eficácia e a possibilidade ou não de o Fed continuar a recomprar dividas e a injetar mais recursos na economia, os economistas ouvidos concordam que não são triviais os riscos a enfrentar nos próximos meses e anos. O principal deles é o de os juros elevados impedirem a recuperação. O detalhe é que, e todos concordam, a estratégia de médio prazo do Fed deverá ser a de elevar as taxas de juros até o considerado padrão neutro histórico - taxas entre 2% e 4%. Assim, no médio prazo, se tudo der certo, a tendência é de as taxas subirem nos países centrais.

A despeito disso, "nos próximos dois anos as taxas vão ficar abaixo do patamar histórico", prevê Mendonça de Barros. O motivo é simples: a economia mundial vai continuar patinando e crescendo abaixo do seu potencial.

Bacha estima que "só em 2012 (quando Obama disputará a reeleição) teremos juros parecidos com o que tínhamos em 2006". Menos pessimista, Goldfajn considera ser possível atingir o patamar dos chamados juros neutros já em 2011.

De todo modo, e há consenso nisso, os juros vão permanecer historicamente baixos nos países centrais, como Estados Unidos, Zona do Euro, Reino Unido e Japão, por que o crescimento continuará sendo menor do que a variação do PIB potencial - o dos Estados Unidos seria de 3,5%.

Também é consensual a opinião de que os juros no Brasil podem continuar em queda, fazendo com que a diferença entre as taxas pagas aqui e nos países centrais seja menor no pós-crise.

"Ao contrário do que o mercado vem indicando, não acredito que a taxa neutra no Brasil esteja em 7% ou 8%. A taxa neutra no país vinha em uma trajetória de queda. No início do real, os juros reais eram de 15%. E vieram caindo. Hoje, creio, estão entre 3% e 5%", afirma Goldfajn.

Essa possibilidade de o país pagar e praticar juros mais civilizados decorre, acredita Goldfajn, do fato de que "há 15 anos temos uma política econômica responsável, que, apesar da alternância no poder, permaneceu a mesma na sua essência".

Mendonça de Barros concorda com Goldfajn e salienta que a principal mudança estrutural econômica foi no lado externo, do balanço de pagamentos. "A taxa neutra não é 7%. É menor que isso. Só não sabemos se é 4% ou 3%. Será preciso testar", sugere.

Mendonça de Barros enfatiza, no entanto, que o comportamento dos juros, no curo prazo, pode ser afetado pelas medidas de aumento do gasto público que estão sendo adotadas pelo governo, "especialmente se tiverem um caráter permanente". Goldfajn concorda e frisa: "Lula já comeu todo o ganho obtido com a queda dos juros".

Segundo os cálculos de Goldfajn, os aumentos já contratados para gastos correntes só permitem a geração de superávits primários (receitas menos despesas, excluindo-se as com o pagamento de juros) da ordem de 1,5% a 2% do PIB. Esse superávit só é compatível com a manutenção da queda da relação dívida e PIB se os juros reais forem de, no máximo, 5%. Em resumo: não há mais margem de manobra. Ou, como prefere dizer Goldfajn, "se o mercado estiver certo, e as taxas subirem, a conta não fecha". Mas ele não crê nisso.