sábado, março 24, 2007

44) Explicando o novo PIB e suas mudancas...

Serviço de utilidade pública (ou pelo menos acadêmica): explicando sinteticamente as mudanças ocorridas na medição do novo PIB, feitas pelo IBGE e anunciadas em meados de março de 2007:

Da coluna de Economia do blog de Luis Nassif:
A mudança no PIB
Coluna Econômica - 22/03/2007

O PIB (Produto Interno Bruto) mede a quantidade de bens e serviços produzidos por uma economia. É a melhor medição de crescimento de um país. Ontem, o IBGE anunciou mudanças na forma de medir o PIB.

Uma das razões é que a última pesquisa, que definiu o peso de cada setor, era de 1985. De lá para cá ocorreram mudanças substanciais na estrutura produtiva. Nos últimos anos, o IBGE passou a dispor de sistema de informação anual de comércio, indústria, agricultura, construção civil. Incorporou também dados de Pessoas Jurídicas.

Considerado o melhor especialista do mercado em contas públicas, Fernando Montero, da Corretora Convenção, anotou as seguintes mudanças relevantes na metodologia.

Governo
Uma das grandes dificuldades em medir o PIB do governo é que ele gera serviços que não tem preço. O governo só tinha estatísticas de quantidade. Alguns setores como educação e saúde tinham indicadores diretos. Mas 10% do PIB não tinham nenhum – como Defesa, Judiciário e Administração Direta. O que se fazia antes era estimar o crescimento de acordo com o crescimento da população.

Agora, o crescimento passa a ser função das contratações de funcionários no setor público, não mais do crescimento da população.

Com a mudança houve pouca alteração no tamanho da administração pública. Mas há um indicador importante, que foi a incorporação ao PIB da depreciação do capital público. Se o governo faz uma estrada, a cada ano tem que descontar (como despesa) parte do desgaste da obra. Em geral o governo “economiza” deixando de repor seus investimentos. Agora essa conta vai ser feita. Fazendo isso, a taxa de investimento da economia cai de 20% (taxa bruta) para 7 ou 8% (taxa líquida).

Serviços
Mudanças mais substantivas ocorreram com os serviços. Uma delas foi a terceirização de serviços pela indústria. A outra foi o aparecimento de novas formas de serviço. Como a matriz era antiga, acabava medindo setores que estavam em decadência, e deixando de fora setores que estavam crescendo. Com a mudança, o setor de serviços cresceu 10 pontos percentuais, de 46 para 56%.

A mudança do peso dos serviços será importante em função do deslocamento da produção do mercado externo para o mercado interno (em função do câmbio). Os serviços respondem muito mais rapidamente à melhoria da demanda interna porque não tem estoques nem vazamento (exportação). Antes da mudança, percebia-se uma melhora na demanda interna, mas que não se refletia no setor de serviços, justamente por esses problemas metodológicos. Agora a medição ficou mais exata.

Intermediação financeira
Outro ponto foi na área financeira. O PIB consiste em acréscimo no valor geral da produção. A intermediação financeira tem duas fontes: uma são as tarifas; outra é a intermediação do crédito. Se um banco emprestava dinheiro para uma indústria, o correto seria contabilizar o ganho do banco com a intermediação; mas descontar do ganho da indústria os efeitos da intermediação. Como não se descontava, havia uma dupla contagem do efeito financeiro.

Com a mudança, passará a ser feito, o que diminuirá o peso da agricultura e da indústria no PIB – justamente por dependerem muito de financiamento.

Novos setores
Os novos setores que passaram a influenciar o PIB foram telecomunicações (1,8% do PIB), Atividades de Informática e Conexas (1,1%), Serviços Cinematográficos e de Vídeo (0,2%), e Atividades de Rádio, Televisão e Agências de Notícia (0,5%). Já o peso da Agropecuária caiu de 7,7% para 5,6% e da Indústria de 36,1% para 27,7%. O Comércio cresceu de 7,1% para 10,6% e Intermediação Financeira de 5,2% para 6%.

As planilhas
Segundo Roberto Olintho, do IBGE, acabou a moleza de alguns departamentos econômicos que, antes, só precisavam calcular o crescimento demográfico para estimar o crescimento do setor público. A partir de agora os cálculos serão bem mais complexos, e exigirão muito mais refinamento nas análises e nas contas. O mesmo ocorrerá para a leitura do desempenho do setor de serviços e financeiro.

sexta-feira, março 02, 2007

43) Previdência

Sofismas sobre a reforma da Previdência
Armando Castelar Pinheiro
Valor Econômico, 02/03/2007

Desaparecido nas últimas semanas, o debate sobre como controlar os gastos da Previdência vai voltar, pois sem isso no médio prazo esta ficará inviável. A própria criação de um conselho para discutir o assunto manterá o tema na agenda ainda por vários meses, senão anos. Este artigo chama a atenção para quatro sofismas recorrentes nessa discussão, que se tornará mais profícua se esses forem reconhecidos pelo que são.

Sofisma 1: o déficit da Previdência Social só existe porque o país cresce pouco e a fiscalização das contribuições é falha. Esse argumento desconsidera que o crescimento é baixo, em grande medida, porque a carga tributária é muito elevada, exatamente para viabilizar os altos gastos previdenciários. Entre 1991 e 2006, a receita líquida da União aumentou em 9,7% do PIB; desse total, 15% foram usados para elevar o superávit primário, 46% bancaram o aumento dos benefícios do INSS e 13% cobriram o incremento nos gastos com inativos da União. Nesse ínterim, o investimento da União caiu de 1,2% para 0,7% do PIB. Ou seja, não foi o maior superávit fiscal, mas sim o aumento de 5,8% do PIB das despesas com aposentadorias que gerou o aumento da carga tributária e a queda dos investimentos. Eliminar a sonegação da Previdência, ainda que justo, elevará ainda mais a carga tributária e o desemprego. Sozinha, não é uma solução. É preciso reduzir os gastos com previdência para poder diminuir a carga tributária e a informalidade, e ter mais investimento e crescimento, e não o contrário.

Sofisma 2: não há problema na Previdência Social, pois quando se excluem dos benefícios as despesas com assistência social e se incluem todas as receitas tributárias a ela atribuídas, o déficit contábil desaparece. Excluir as despesas com assistência social das contas do INSS aumenta a transparência e é um passo positivo. Mas "desaparecer" com o déficit remanescente destinando à Previdência outras receitas - como a CPMF, a Cofins e a CSLL - é um passo no sentido oposto, que mascara a existência de déficits atuariais importantes, especialmente na aposentadoria de mulheres e professores(as). Mas a falha maior nesse argumento é ignorar que o problema principal da Previdência não é seu déficit, mas o tamanho dos gastos. O Brasil gasta com previdência e assistência social 12% do PIB, o mesmo que Holanda, Espanha e Reino Unido, países cuja proporção de idosos é o triplo da do Brasil.

-------------------------------
Não foi o maior superávit fiscal, mas, sim, o aumento de 5,8% do PIB das despesas com aposentadorias que gerou o aumento da carga tributária
------------------------------

Sofisma 3: eliminar a indexação do piso previdenciário ao salário mínimo ou estabelecer uma idade mínima para aposentadoria é "jogar milhões de idosos em situação ainda maior de pobreza". Há três equívocos nesse argumento. O primeiro é classificar como "idoso" quem tem entre 45 e 60 anos, caso de muitos aposentados no Brasil. Chamar alguém com 55 anos de idoso pode até ofender. Porém, mesmo depois da instituição do fator previdenciário, 60% das pessoas que se aposentam por tempo de contribuição o fazem com menos de 55 anos. Vários países mais avançados estabeleceram idades mínimas de aposentadoria na faixa de 60 a 67 anos, valendo em alguns deles o mesmo piso para homens e mulheres. Como a expectativa de sobrevida de quem atinge 60 anos no Brasil é quase igual à observada nesses países, se 60 anos for a idade mínima de aposentadoria no INSS, como é para servidores públicos homens (55 anos para mulheres), os brasileiros ainda ficarão mais tempo aposentados que a maioria dos idosos nos países ricos.

O segundo equívoco é defender que o benefício previdenciário acompanhe a remuneração dos trabalhadores na ativa. Como observou Cláudio Dedecca (Valor, 28/02/2007), é importante para o equilíbrio do sistema de previdência que se observe um "padrão de remuneração mais favorável dos trabalhadores presentes no mercado de trabalho, em comparação ao observado para a geração anterior". Idealmente, para a Previdência, a remuneração dos aposentados deve permanecer constante, em termos reais, enquanto a dos trabalhadores na ativa cresce com o aumento da produtividade. Exatamente o oposto tem ocorrido no Brasil, onde o salário mínimo, que reajusta dois em cada três benefícios, aumentou 5,2% ao ano em 1995-2006, contra expansão de 2,4% ao ano para o PIB por trabalhador. Quanto mais o crescimento do número de aposentados superar o do emprego, maior o desequilíbrio daí advindo. E esse hiato vai aumentar: até 2031, o número de brasileiros com 60 anos ou mais subirá 3,7% ao ano, contra 1% ao ano para a população com 18 a 59 anos.

O terceiro erro é afirmar que os idosos vivem na pobreza. De fato, a proporção de idosos pobres é metade da média nacional e pouco mais de um quarto da observada para as crianças. Como essa medida reflete a renda per capita domiciliar, ela já capta a contribuição do benefício recebido pelo idoso para a renda familiar. As crianças é que estão realmente "jogadas na pobreza", não os idosos.

Sofisma 4: reformar a Previdência é privilegiar o ajuste fiscal em detrimento da melhoria dos indicadores sociais. A falha nesse argumento é ignorar que os elevados gastos com previdência e assistência social limitam os recursos disponíveis para saúde, educação, e outros programas de transferência, como o Bolsa Família, que é quatro vezes mais eficiente que a Previdência em transferir renda para as famílias pobres. Entre 2001 e 2005, o gasto social da União aumentou 1,5% do PIB: 1,2% do PIB a mais para a previdência social, mais 0,2% para o Bolsa Família, mais 0,1% para a saúde e nada a mais para a educação. Como proporção do PIB, o gasto público social no Brasil é pouco inferior à média dos países ricos, sendo os gastos com educação muito semelhantes. Ocorre que o Brasil tem uma proporção mais elevada de crianças e jovens, e deveria portanto gastar relativamente mais com educação.

O Brasil tem um sistema de previdência social comparativamente muito generoso, que para ser financiado exige a cobrança de encargos e impostos elevados - estimulando a informalidade e penalizando o investimento - e impede que se faça mais pelas crianças, que recebem uma educação ruim e vivem em grande proporção na pobreza. Precisamos avaliar se estamos fazendo as opções corretas.

Armando Castelar Pinheiro, economista do Ipea e professor do IE-UFRJ, escreve mensalmente às sextas- feiras.