Os custos do juro negativo
João Carlos de Oliveira, para o Valor, de São Paulo
Valor Econômico, 24/07/2009
Em 30 países, o preço do dinheiro cai até níveis ínfimos e em 15 já se encontra abaixo de zero, num cenário dominado pela recessão e pelo receio de que a inflação pode voltar.
A pessoa investe em gelo as economias que acumulou durante anos de trabalho. Depois, deixa no sol para que derretam. Assim é viver em um país onde as taxas de juros são negativas. Isto é, a taxa nominal de juros corre abaixo da inflação estimada. Ou seja, o rendimento de aplicações não é suficiente para manter o valor real da poupança. Logo, os recursos já não são mais compatíveis com a aposentadoria prevista, a viagem acalentada ao exterior ou com as despesas de educação dos filhos.
Hoje, no mundo, as populações de 15 países, de um conjunto de 45 considerados os mais representativos da economia global, convivem com juros negativos, como mostra tabela elaborada pelo Valor Data a partir de dados da Bloomberg e estimativas para o comportamento dos preços que constam do relatório World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional (ver tabela na página 13).
Em outros 15 países, os juros reais oscilam entre zero e 1%. Deste segundo conjunto fazem parte os integrantes da Zona do Euro e os Estados Unidos - onde os juros só são positivos por causa da deflação. Este é também o caso do Japão - que convive com deflação e baixíssimos juros e taxas de crescimento desde o inicio da década de 1990 -, da Suíça e da Suécia.
Em apenas oito países os juros reais estão acima de 4%, entre os quais o Brasil e a China (em sua última reunião, o Copom reduziu a taxa básica de 9,25% para 8,75%). Mas a tendência é, nesse caso, de queda, já no curto prazo. Antes de tratar das exceções, porém, cabe olhar mais de perto o que é a regra na cena mundial, o fato de que os juros reais são baixos.
Há um círculo vicioso que vincula juros próximos de zero a um processo agudo de queda dos preços. Na tentativa de zerar, ou reduzir até onde possível, a perda financeira efetiva, o investidor contém gastos e aumenta o valor poupado. A queda do consumo faz cair o nível de atividade, o que abre a temporada de liquidações. No limite, na expectativa de que o preço amanhã será sempre menor que o de hoje, o consumo é adiado e a economia definha.
A economia mundial já caiu antes nesse buraco. Foi em 1929. Com a tabela fica claro que, e essa é a fotografia do momento, já não é necessário recorrer aos livros para saber o que é a tal "armadilha da liquidez", o conceito original elaborado por John Maynard Keynes. Na prática, essa situação ocorre quando a taxa de juros nominal se aproxima de zero ou o atinge e a autoridade monetária se vê impedida de estimular a economia usando os instrumentos tradicionais da política monetária. O mesmo ocorre quando, e é o caso atual dos Estados Unidos, há deflação. Nesse caso, recomendava Keynes, a melhor forma de impedir a depressão é o Estado investir, gerando renda e consumo, para limitar ou minimizar a queda da atividade.
Em 1929 não se fez isso. Os países deixaram, em um primeiro momento, que o mercado cuidasse do ajuste - e um em cada quatro americanos acabou desempregado, com amplos reflexos econômicos, sociais e políticos em todo o mundo.
As lições do passado estão na base do cenário de juros visto na economia global de hoje. Para evitar que a história se repetisse como uma enorme tragédia, fez-se algo inédito: governos e bancos centrais agiram de forma concertada, reduzindo juros, injetando liquidez e aprovando pacotes bilionários para limitar o alcance e a duração da recessão. Muitos bilhões depois, contudo, os sinais não são indiscutivelmente alentadores.
Os juros que vigoram na cena mundial são, na definição de Edmar Bacha, um dos pais do real e, atualmente, consultor sênior do Itaú BBA, "taxas de depressão". "Esse quadro de juros no mundo é produto de uma crise muito forte, de uma destruição de riqueza muito grande, de uma queda do consumo muito importante." Olhando de outro ângulo, "é fruto da tentativa dos bancos centrais de adotarem uma política anticíclica", comenta Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central.
Em alguns casos, como notadamente é o dos Estados Unidos, as taxas de juros já caíram tanto e com tamanha intensidade que, como diz Bacha, "estão esgotadas as possibilidades de usar a redução dos juros como forma de incentivar as economias". É a armadilha, de novo. Bacha observa, porém, que os bancos centrais não ficaram paralisados. "É essa política de expansão quantitativa, com a recompra das dívidas, com a injeção de recursos. São essas políticas de crédito."
Mesmo essas políticas têm limites. Como lembra Goldfajn, o próprio Fed (banco central americano) parou de fazer esse tipo de operação. Motivo: o mercado passou a enxergar inflação para os próximos dez anos. "Nos próximos dois anos, a percepção é de que não haverá inflação, dado o nível de capacidade ociosa da economia. Mas, para dez anos, a perspectiva é de volta da inflação. E essa perspectiva se acentua com a injeção de liquidez." Essa percepção já está afetando e aparecendo na curva de juros futura. "Nos títulos do Tesouro americano de dez anos, as taxas já refletem essa aposta, subiram de 2% para 4%, e agora estão oscilando em torno de 3,6%".
Outra preocupação que também já aparece na curva de juros é com o endividamento crescente, especialmente dos Estados Unidos e do Reino Unido. A dívida dos Estados Unidos, exclusivamente do governo federal, como resultado das ações para limitar a depressão, vai sair do patamar de 40% do PIB para 80% do PIB, calcula-se.
"O que há de novo é que a política de juros dos Estados Unidos poderá ser afetada pelo grau de endividamento, exatamente como ocorreu com países como o Brasil", diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, estrategista-chefe da Quest Investimentos e ex-ministro das Comunicações.
Isso também já se viu, em outra dimensão, no passado, quando um misto de inflação e crescente endividamento foi combatido com golpes de juros por Paul Volcker. As taxas de dois dígitos quebraram os países latino-americanos, além da cidade de Nova York, por exemplo.
Também por isso, afirma Goldfajn, Ben Bernanke, presidente do Fed, já disse publicamente que o Tesouro americano precisa dar sinais para o mercado de que a rota do endividamento será contida e que haverá estabilidade dos gastos públicos.
Na prática, enfim, o que Goldfajn está dizendo é que o Fed se encontra em uma nova encruzilhada, já que o instrumento de que dispõe atualmente para atuar na economia, injetando liquidez, afeta negativamente a curva de juros, elevando as taxas dos títulos de 10 e 30 anos, o que pode abortar o processo de recuperação.
Para ele, por isso, o Fed pode, agora, fazer pouco (para estimular a economia) e a bola está com Barack Obama, já que depende do governo federal sinalizar que a questão fiscal será enfrentada e como será. "Ele é o cara."
Contudo, a aposta do mercado de que a injeção de recursos provocará inexoravelmente inflação no futuro - imaginando que por futuro se entenda uma década - não é necessariamente uma verdade. Vai depender, de novo, do tamanho e desdobramentos da crise. O economista Paul Krugman lembrou, em artigo recente, que a base monetária dos Estados Unidos dobrou entre 1929 e 1939, e os preços caíram 19% nesse período de dez anos.
Além disso, convém destacar, a economia americana, em particular, e a mundial ainda não reagiram o suficiente - com a exceção da China, que pode voltar a crescer 8%.
Respondendo a pressões dos mercados e de políticos para que revele qual seria a "estratégia de saída" das políticas que têm sido adotadas para dar sustentação à economia, Bernanke disse, em depoimento no Congresso, que o Fed tem, sim, esse plano de escape. "As medidas extraordinárias que tomamos como resposta à crise financeira e à recessão poderão ser revogadas sem nenhum problema, na ocasião oportuna." O Fed poderia aumentar os juros pagos pelo uso de reservas bancárias, para ajudar a fixar um piso para as taxas de juros, disse Bernanke. Também existe a opção de vender títulos de longo prazo. Bernanke enfatizou, porém, que o Fed não pretende implementar essas medidas enquanto a economia continuar fragilizada.
"A recessão estava ganhando de 3 a 0 (quando as medidas contracíclicas foram adotadas nos Estados Unidos)", compara o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Para ele, com o pacote de estímulos e com a injeção de liquidez foi dado um piso para o processo de deflação de ativos - as dívidas, afinal, foram recompradas por preços fixados pelo Fed - e o que se conseguiu até aqui foi, em termos de atividade, impedir que a crise se aprofundasse. A economia "caiu mais devagar".
Contudo, afirma Belluzzo, "o risco é, se os juros subirem, de a retomada, mesmo tímida, ser abortada e surgir um novo miniciclo recessivo. Foi o que aconteceu entre 1937 e 1938, no governo Roosevelt". Para evitar isso, Belluzzo entende que o Fed deve continuar atuando, recomprando dívidas (o que equivale a injetar recursos) na tentativa de deslocar a curva de juros longos para baixo.
De fato, apenas para recordar o período Roosevelt, eleito para tirar o país do atoleiro de 1929 e marcado pelas políticas do New Deal, a economia dos Estados Unidos cresceu rapidamente, de 1933 a 1937, mas o desemprego se manteve em torno de 15% até 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Contudo, quando, em 1937, aumentou a receita (um efeito da recuperação), a política fiscal do governo Roosevelt foi contracionista, na tentativa de equilibrar o orçamento. No mesmo ano, para combater o aumento da liquidez, o Fed subiu as taxas de juros e elevou o depósito compulsório dos bancos. Na época, uma das poucas vozes contrárias foi a do economista Milton Friedman.
Voltando aos dias de hoje, apesar das divergências sobre a eficácia e a possibilidade ou não de o Fed continuar a recomprar dividas e a injetar mais recursos na economia, os economistas ouvidos concordam que não são triviais os riscos a enfrentar nos próximos meses e anos. O principal deles é o de os juros elevados impedirem a recuperação. O detalhe é que, e todos concordam, a estratégia de médio prazo do Fed deverá ser a de elevar as taxas de juros até o considerado padrão neutro histórico - taxas entre 2% e 4%. Assim, no médio prazo, se tudo der certo, a tendência é de as taxas subirem nos países centrais.
A despeito disso, "nos próximos dois anos as taxas vão ficar abaixo do patamar histórico", prevê Mendonça de Barros. O motivo é simples: a economia mundial vai continuar patinando e crescendo abaixo do seu potencial.
Bacha estima que "só em 2012 (quando Obama disputará a reeleição) teremos juros parecidos com o que tínhamos em 2006". Menos pessimista, Goldfajn considera ser possível atingir o patamar dos chamados juros neutros já em 2011.
De todo modo, e há consenso nisso, os juros vão permanecer historicamente baixos nos países centrais, como Estados Unidos, Zona do Euro, Reino Unido e Japão, por que o crescimento continuará sendo menor do que a variação do PIB potencial - o dos Estados Unidos seria de 3,5%.
Também é consensual a opinião de que os juros no Brasil podem continuar em queda, fazendo com que a diferença entre as taxas pagas aqui e nos países centrais seja menor no pós-crise.
"Ao contrário do que o mercado vem indicando, não acredito que a taxa neutra no Brasil esteja em 7% ou 8%. A taxa neutra no país vinha em uma trajetória de queda. No início do real, os juros reais eram de 15%. E vieram caindo. Hoje, creio, estão entre 3% e 5%", afirma Goldfajn.
Essa possibilidade de o país pagar e praticar juros mais civilizados decorre, acredita Goldfajn, do fato de que "há 15 anos temos uma política econômica responsável, que, apesar da alternância no poder, permaneceu a mesma na sua essência".
Mendonça de Barros concorda com Goldfajn e salienta que a principal mudança estrutural econômica foi no lado externo, do balanço de pagamentos. "A taxa neutra não é 7%. É menor que isso. Só não sabemos se é 4% ou 3%. Será preciso testar", sugere.
Mendonça de Barros enfatiza, no entanto, que o comportamento dos juros, no curo prazo, pode ser afetado pelas medidas de aumento do gasto público que estão sendo adotadas pelo governo, "especialmente se tiverem um caráter permanente". Goldfajn concorda e frisa: "Lula já comeu todo o ganho obtido com a queda dos juros".
Segundo os cálculos de Goldfajn, os aumentos já contratados para gastos correntes só permitem a geração de superávits primários (receitas menos despesas, excluindo-se as com o pagamento de juros) da ordem de 1,5% a 2% do PIB. Esse superávit só é compatível com a manutenção da queda da relação dívida e PIB se os juros reais forem de, no máximo, 5%. Em resumo: não há mais margem de manobra. Ou, como prefere dizer Goldfajn, "se o mercado estiver certo, e as taxas subirem, a conta não fecha". Mas ele não crê nisso.
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Um comentário:
O Banco Central não tem mais compromisso com o controle da inflação. Suas decisões são politicas.
O PT tem a intenção de praticar uma "taxa Selic abaixo da inflação", ou seja , "juros negativos". Caso isso aconteça, qualquer investimento em renda fixa, inclusive a poupança, TRANSFORMA-SE EM DESPOUPANÇA, ai, as economias dos Brasileiros que fazem poupança, chamados de modo pejorativo por alguns petistas radicais de "rentistas", serão destruidas pela inflação, então, "adeus à aposentadoria complementar e outros sonhos de quem se esforça para poupar". NÃO É CORRETO DESTRUIR AS ECONOMIAS DOS BRASILEIROS PARA AUMENTAR LUCRO DE EMPRESÁRIOS. O TRABALHADOR SÓ TEM COMO GARANTIA A SUA POUPANÇA. QUANDO CHEGA A CRISE OS EMPRESÁRIOS DEMITEM OS TRABALHADORES QUE FICAM SEM NENHUMA PROTEÇÃO POIS AS SUAS ECONOMIAS POUPADAS FORAM CORROÍDAS PELOS JUROS NEGATIVOS PRATICADOS PELO GOVERNO. OS EMPRESÁRIOS NÃO SE PREOCUPAM MUITO COM A INFLAÇÃO POIS REPASSAM OS AUMENTOS DOS PREÇOS NAS MERCADORIAS QUE VENDEM, NO ENTANTO, OS TRABALHADORES NÃO PODEM PROTEGER A SUA POUPANÇA PORQUE O GOVERNO REAJUSTARÁ ESSA POUPANÇA ABAIXO DA INFLAÇÃO BENEFICIANDO PORTANTO OS EMPRESÁRIOS. AS CENTRAIS SINDICAIS AINDA APOIAM ESSA POLITICA DO GOVERNO (ALIÁS, APOIAM TUDO QUE O GOVERNO QUER, POIS SEUS LIDERES VIRARAM POLÍTICOS OPORTUNISTAS), QUANDO OS TRABALHADORES PERCEBEREM JÁ SERÁ TARDE. ESSA SITUAÇÃO JÁ VIMOS ACONTECER EM ALGUNS PAÍSES. APÓS A DESTRUIÇÃO DA ECONOMIA DAS FAMÍLIAS, INSTALA-SE UM CLIMA DE DESÂNIMO NA ECONOMIA, O CONSUMO DAS FAMÍLIAS DIMINUI E ENTÃO VEM A RECESSÃO.
ESPERAMOS ESCLARECER AOS BRASILEIROS O PERIGO QUE A POUPANÇA DOS BRASILEIROS ESTÁ CORRENDO. EXISTE UMA COMPANHA MUITO FORTE (DE NATUREZA IDEOLÓGICA) PROMOVIDA PELO GOVERNO NO SENTIDO DE ALIENAR A POPULAÇÃO EM RELAÇÃO A ESSA QUESTÃO.
ESTÃO CULPANDO AS PESSOAS QUE FAZEM POUPANÇA POR CAUSAR PREJUÍZOS A NAÇÃO. A ESCOLHA DE UMA DETERMINADA CATEGORIA DE CIDADÃOS COMO "BODE ESPIATÓRIO" PARA FAZER POLÍTICA É MUITO RUIM PARA A DEMOCRACIA, NÓS JÁ ASSISTIMOS ISSO NA ALEMANHA NAZISTA ("PERSEGUIÇÃO AOS JUDEUS AGIOTAS". SÓ FALTA O PT INCENTIVAR AS PESSOAS COMEÇAREM A AGREDIR FISICAMENTE OS CIDADÃOS QUE TEM O HÁBITO DE POUPAR, PORQUE A AGRESSÃO MORAL, ESTA JÁ ESTÁ ACONTECENDO.
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