terça-feira, agosto 11, 2009

69) O problema fiscal no Brasil, artigo de Marcio Garcia

Tratamento inacabado
Marcio Garcia
Valor Econômico, 31/07/2009

Em recente entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, declarou: "O Lulinha, aonde vai, dizem que ele está certo. E o cara fica dizendo que está errado o fiscal. Quem vai olhar isso?". O que o ministro falou é em parte verdade. No exterior, não há quase ninguém preocupado com a deterioração recente da política fiscal brasileira. Dada a enorme expansão fiscal nos países desenvolvidos, bem como a notória ciclotimia dos mercados financeiros, isto não seria de se espantar. Mas ministro do Planejamento fazer pouco caso da deterioração fiscal recente é como ministro da Saúde descartar os riscos da gripe suína tendo em vista o pequeno número de vítimas fatais observado até agora no Brasil. Beira a irresponsabilidade.

O ministro do Planejamento já teve dias melhores, como, por exemplo, em 2005, quando defendia o plano de equilíbrio fiscal de longo prazo concebido pelo Ipea dos bons tempos. Tal plano, torpedeado como rudimentar pela ministra Dilma, foi enterrado. Os jornais trazem a cada dia notícias de mais e mais despesas que se adicionam ao orçamento federal, poucas relativas ao investimento público. A defesa oficial é ora alegar que conduz política anticíclica, ora que havia necessidade de pagar melhor a seus servidores por melhores serviços. Ambas as alegações não procedem.

Política anticíclica faz-se principalmente com metas fiscais automaticamente ajustadas para o ciclo econômico, como por exemplo pratica o Chile há muitos anos. Em períodos de expansão, a meta para o superávit fiscal torna-se mais rígida, pois aumenta a arrecadação do governo e caem suas despesas. Em períodos recessivos, como o atual, a meta é afrouxada, para dar conta da menor arrecadação tributária, bem como dos maiores gastos, como o seguro-desemprego. Essa prática, consagrada mundialmente, era outrora defendida por Guido Mantega, mas estranhamente nunca foi levada à frente quando ele foi alçado a ministro da Fazenda.

A expansão fiscal que o governo fez para combater a crise baseou-se em dois pilares: desoneração fiscal temporária e aumento de gastos permanentes. A desoneração fiscal deverá ser revertida, a menos que o governo ceda em caráter definitivo às pressões dos lobbies dos setores beneficiados. Já aumentar gastos permanentes não constitui política anticíclica, pois tais despesas não poderão ser cortadas quando vier a expansão. Hoje, tais gastos ajudam o país a sair da recessão. Quando a crise terminar, constituirão pesado fardo a diminuir o investimento, tanto privado quanto público, e a atrasar o crescimento econômico.

A melhora da provisão de serviços públicos, se ocorreu, não foi ainda notada pela população. Em que pese algumas iniciativas pontuais, os vultosos gastos adicionais com algumas carreiras de Estado não parecem estar redundando em maior eficiência do serviço público. Parece elevado o risco de que o efeito de tais gastos adicionais seja tão-somente o de atender às lideranças sindicais, em vez de trazer o aprimoramento tão necessário aos precários serviços públicos de que dispomos.

Analisando a política econômica em geral, o ministro do Planejamento se vangloriou: "A oposição não tem discurso. Eles não conseguem fazer um debate sobre política econômica melhor do que o nosso. Eles não têm políticas sociais alternativas melhores do que as nossas. Eles não têm política agrícola melhor". Neste aspecto, a análise política do ministro parece, infelizmente, correta. Apesar de o governo Lula ter abandonado as reformas que iniciou no primeiro mandato, a menos de menções esporádicas à reforma tributária e à desoneração da folha salarial das empresas, não há, no debate político atual, discussões sobre como melhor utilizar o enorme potencial que tem o país para crescer.

A política econômica do atual governo, calcada muito acertadamente na política econômica de seu antecessor, precisa ser complementada com a retomada das reformas econômicas. A mera continuação da atual política econômica é como seguir pela metade um tratamento médico: os resultados ficam muito aquém do desejado. Sem atacar os males, já há muito identificados e mapeados, ceifaremos preciosos pontos percentuais de nosso crescimento futuro.

É função da oposição ter coragem e sabedoria para defender reformas econômicas das quais o país precisa para realizar integralmente seu potencial de crescimento. Conquanto a defesa das reformas pareça, hoje, eleitoralmente onerosa, é preciso descobrir maneiras de transformá-la em agenda ganhadora, como foi feito com o combate à inflação. Na eleição passada, o candidato que disputou o segundo turno não teve tal ousadia e acabou derrotado. Sua imagem, envergando jaqueta e boné repletos de símbolos de empresas estatais, ficou como símbolo de uma oposição sem programa econômico bem definido e envergonhada das privatizações que havia feito e que mudaram para melhor a economia do país. Para o bem do país, seria bom não repetir o erro.

Infelizmente, como bem notou o ministro do Planejamento, a oposição não parece ter aprimorado o discurso econômico. O principal nome da oposição para a eleição presidencial, o governador de São Paulo, malgrado reputação bem estabelecida de administrador competente, não critica a política fiscal, embora não perca oportunidade para atacar a política monetária. Suas repetidas críticas equivocadas à bem sucedida condução do sistema de metas para inflação pelo Banco Central explicam as incertezas que existem acerca do que seria a condução das políticas monetária e cambial em um eventual governo Serra. Ou seja, a oposição, em vez de defender a reativação do programa de reformas econômicas que iniciou e que foram encampadas no início do atual governo, parece renegar sua própria criatura, jogando-a no colo de Lula. Não parece de todo impossível que as novas gerações acabem acreditando que o Plano Real foi obra de Lula!

Em que pese a pobreza do debate econômico atual, a economia brasileira continuará a apresentar bons resultados, dependendo do desempenho da economia mundial, sobretudo da China. Com dispêndio fiscal hipertrofiado, deveremos continuar a ter investimento e crescimento mais baixos e juros reais mais altos do que seria possível com as reformas econômicas. É triste ver tão mal aproveitada a magnífica chance que o Brasil ora dispõe para cumprir seu desígnio de "país do futuro". O pior é perceber que parece ainda não haver alternativa no horizonte.

Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve neste espaço uma sexta-feira a cada mês.

quarta-feira, julho 29, 2009

66) Mestrado em Direito: Economia Politica Internacional

Para o Segundo Semestre de 2009

CEUB – Centro Universitário de Brasília.
CURSO: Mestrado em Direito das Relações Internacionais.
DISCIPLINA: Economia Política Internacional
DOCENTE: Prof. Paulo Roberto de Almeida

Plano de Curso – 2 Semestre 2009
Economia Política Internacional

I. Ementa
Discussão aprofundada das relações econômicas internacionais, com destaque para os temas que apresentam relevância para a inserção internacional do Brasil, quais sejam, os das instituições e práticas do comércio internacional, da política comercial externa do País, das finanças internacionais e das relações financeiras externas do Brasil, bem como a teoria e os processos de integração, em especial aqueles em que se encontra envolvido o Brasil.

II. Objetivos
Familiarizar os alunos com os conceitos relevantes e com os processos econômicos fundamentais da era da globalização. Aprofundar o conhecimento sobre a experiência brasileira de inserção econômica internacional, com exame e discussão da participação do Brasil nos processos negociadores multilaterais nos campos econômicos (comércio, finanças e moeda, investimentos, propriedade intelectual e tecnologia etc.).

III. Conteúdo programático da disciplina

1. O debate sobre a globalização: teoria e prática de um processo contraditório
(introdução; estado da questão, teses e antíteses; cacofonia prática; falta de consenso teórico)
2. Fases do desenvolvimento capitalista desde o mercantilismo
(grandes linhas do desenvolvimento da economia mundial e traços predominantes na era global)
3. Etapas da evolução econômica do Brasil: do fechamento à abertura
(breve sumário do desenvolvimento econômico brasileiro no quadro mundial; fases e características)
4. Fim do socialismo e fechamento das alternativas ao capitalismo global
(significado das alternativas; impacto sobre a divisão internacional do trabalho)
5. Emergência da interdependência econômica contemporânea
(da confrontação global entre impérios rivais à imbricação dos sistemas econômicos nacionais)
6. As companhias multinacionais: mudanças de padrão
(emergência e afirmação da grande firma multinacional: etapas desde a segunda revolução industrial)
7. O papel do Estado: irrelevância prática ou nova importância econômica?
(um comitê a serviço da burguesia, como queria Marx?; complexidade da economia contemporânea)
8. A globalização financeira: movimentos de capitais e crises financeiras
(volatilidade como traço interno às economias dependentes; tipos e modalidades de especulação)
9. A fragilidade financeira externa do Brasil: fim da vulnerabilidade?
(da belle époque ao controle de capitais e à liberalização dos fluxos; posição do Brasil na atualidade)
10. A globalização da produção: o Brasil como receptor de investimentos estrangeiros
(investimento estrangeiro direto, desnacionalização e novos modos da interdependência)
11. A globalização do comércio: o Brasil como um pequeno comerciante global
(coeficiente de abertura, papel do comércio e trajetória brasileira nas negociações)
12. Os blocos econômicos e o futuro da globalização: o Brasil e a integração regional
(regionalização como mini-globalização: complementaridades e desvios)
13. Problemas globais: fome, meio ambiente, distribuição de renda
(os novos problemas globais: papel da globalização no agravamento ou solução dos problemas)
14. Vantagens e desvantagens da globalização e seu papel no desenvolvimento
(globalização e globobagens: mitos e fatos da globalização e a posição do Brasil: dados)
15. O Brasil e sua inserção econômica internacional
(um global player limitado e introvertido; o Brasil na pré-globalização e os riscos)

IV. Bibliografia indicativa
Adda, Jacques. As origens da globalização da economia (São Paulo: Manole, 2004)
Aghion, Philippe e Jeffrey G. Williamson (eds.) Growth Inequality and Globalization: Theory, History, and Policy (Cambridge, Mass.: Cambridge University Press, 1999)
Almeida, Paulo Roberto de. Relações Internacionais e Política Externa do Brasil: história e sociologia da diplomacia brasileira (2ª e.; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004)
———. Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (2a. ed.: São Paulo-Brasília: Senac-Funag, 2005)
———. Os Primeiros Anos do Século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas (São Paulo: Paz e Terra, 2002)
———. O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999a)
———. Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez Oliveira, 1999b)
———. Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: Ltr, 1998)
Aron, Raymond: Paz e Guerra entre as Nações (São Paulo: IMESP, 2002)
Arrighi, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo (Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora UNESP, 1996)
Banco Mundial. Globalização, crescimento e pobreza (São Paulo: Editora Futura, 2003)
Baumann, Renato (org). O Brasil e a Economia Global (Rio de Janeiro: Campus-SOBEET, 1996)
Becker, Bertha G. e Claudio A. G. Egler. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993)
Boyer, Robert e Daniel Drache (eds.). States Against Markets: the limits of globalization. Londres: Routledge, 1996
Buckley, Peter J. and Casson, Mark (eds.). Multinational enterprises in the world economy: essays in honour of John Dunning (Brookfield, Vt.: E. Elgar Pub., 1992)
Beinhocker, Eric D.: The Origin of the Wealth: Evolution, complexity, and the Radical Remaking of Economics (Boston: Harvard Business School Press, 2006)
Campos, Roberto. A Lanterna na Popa: memórias (Rio de Janeiro: Toopbooks, 1994)
Carvalho, Maria Izabel Valladão; Santos, Maria Helena de Castro (orgs.): O século 21 no Brasil e no mundo (Bauru, SP: Edusc, 2006)
Casella, Paulo Borba e Mercadante, Araminta de Azevedo (orgs.). Guerra Comercial ou integração mundial pelo comércio: a OMC e o Brasil (São Paulo: LTr, 1998)
Clapham, Sir Michael. Multinational enterprises and nation states (London: Athlone Press, 1975)
Das, Dilip K. Financial globalization and the emerging market economies (New York: Routledge, 2004)
Desfarges, Philippe Moreau. Les relations internationales dans le monde aujourd’hui: entre globalisation et fragmentation (4a. ed, Paris: Ed. S.T.H., 1992)
Diamond, Jared: Armas, Germes e Aço (RJ; Record, 2001)
———. Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (3ª ed.; Rio de Janeiro: Record, 2006)
Dunning, John H. Multinational enterprises and the global economy (Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1993)
Eichengreen, Barry. Globalizing Capital: a history of the international monetary system. (Princeton: New Jersey: Princeton University Press, 1996); edição bras.: A Globalização do Capital (São Paulo: Editora 34, 2002)
———. Toward a New International Financial Architecture. (Washington: Institute for International Economics, 1999)
Ferguson, Niall: The War of the World: history’s age of hatred (Londres: Penguin, 2006)
———. Colossus: the rise and fall of the American empire (New York: Penguin Books, 2005)
———. Empire: the rise and demise of the British world order and the lessons for global power (New York: Basic Books, 2003)
———. The cash nexus: money and power in the modern world, 1700-2000 (New York: Basic Books, 2001)
Franco, Gustavo H. B.: Crônicas da convergência: ensaios sobre temas já não tão polêmicos (Rio de Janeiro: Topbooks, 2006)
Frenkel, Jacob A. Globalization, instability, and the world financial system (Bryn Mawr, Pa.: The American College, 1999)
Frieden, Jeffrey: Global Capitalism: Its Fall and Rise in the Twentieth Century (New York: Norton, 2006)
Gauthier, André. L’Économie Mondiale depuis la Fin du XIXe siècle. (Paris: Bréal, 1995)
Germain, Randall D. (ed.). Globalization and Its Critics: Perspectives from Political Economy. (New York: St. Martins Press, 2000)
Gershenkron, Alexander. Economic Backwardness in Historical Perspective (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1962)
Giambiagi, Fabio; Barros, Octavio (orgs.). Brasil globalizado (Rio de Janeiro: Campus, 2008)
Gilpin, Robert. The Political Economy of International Relations (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1987; edição brasileira: A Economia Política das Relações Internacionais; Brasília: UnB, 2002)
———. Global Political Economy (Princeton, NJ.: Princeton University Press, 2001; ed. bras.: O Desafio do Capitalismo Global; Rio de Janeiro: Record, 2004)
Goldin, Ian, Odin Knudsen e Dominique van der Mensbrugghe. Trade Liberalisation: global economic implications, (Paris-Washington: OECD-World Bank, 1993)
Gonçalves, Reinaldo et alii. A Nova Economia Internacional: uma perspectiva brasileira (Rio de Janeiro: Editora Campus, 1998)
Graham, Edward M. Fighting the wrong enemy: antiglobal activists and multinational enterprises (Washington: Institute for International Economics, 2000)
Held, David e Anthony G. McGrew (eds.). Global Transformations Reader: An Introduction to the Globalization Debate (Londres: Blackwell Publishers, 2000); edição bras.: Prós e Contras da Globalização (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001)
Hirst, Paul e Grahame Thompson. Globalization in Question : The International Economy and the Possibilities of Governance (2a. ed.: New York: Polity Press, 1999); edição bras.: Globalização em Questão (Petrópolis: Vozes, 1999)
Holton, Robert. Globalization and the Nation-State. New York: St. Martins Press, 1998
Hurrel, Andrew, Ngaire Woods e R. Albert Berry (eds.). Inequality, Globalization, and World Politics. (Oxford: Oxford University Press, 1999)
Kehoane, Robert O. After Hegemony: cooperation and discord in the world political economy. (Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1984)
Keylor, William R.: The Twentieth-Century World: an international history (Oxford: Oxford University Press, 1996)
Kindleberger, Charles P. World Economic Primacy, 1500 to 1990 (New York: Oxford University Press, 1996)
———. Manias, Panics, and Crashes: A History of Financial Crises (4th ed.; New York: John Wiley, 2000; 1st ed.: 1978).
Lacerda, Antonio Correa de (org.). Crise e oportunidade: o Brasil e o cenário internacional (São Paulo: Lazuli, 2006)
———. O Impacto da Globalização na Economia Brasileira (São Paulo: Contexto, 1998)
Lafer, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998)
Landes, David S.: A Riqueza e a Pobreza das Nações: por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres (Rio de Janeiro: Campus, 1996; orig.: The Wealth and Poverty of Nations (New York: Norton, 1998)
Lewis, Mervyn K. (ed.). The globalization of financial services (Northampton, MA: Edward Elgar Publishing, 1999)
Maddison, Angus. Monitoring the World Economy, 1820-1994 (Paris: OECD, 1995)
———. The World Economy: a Millenial Perspectiva (Paris: OECD, 2001)
Magnoli, Demétrio. Relações Internacionais: teoria e história (São Paulo: Saraiva, 2005)
———. História das Guerras (São Paulo: Contexto, 2006)
McWilliams, Wayne; Piotrowski, Harry: The World Since 1945: a history of international relations (Londres: Lynne Riner, 1997)
Ocampo, José Antonio et al. (eds.). Financial globalization and the emerging economies (Santiago: Economic Commission for Latin America and the Caribbean; Rome: International Jacques Maritain Institute, 2000)
Oliveira, Henrique Altemani; Lessa, Antônio Carlos (orgs): Relações internacionais do Brasil: temas e agendas (SP: Saraiva, 2006, 2 vols)
Oliveira, Odete Maria de (coord.). Relações Internacionais & globalização: grandes desafios (Ijuí: Ed. Unijuí, 1997)
O’Rourke, Kevin e Jeffrey G. Williamson (eds.). Globalization and History: The Evolution of a Nineteenth-Century Atlantic Economy (Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1999)
Pearce, Robert D. The internationalisation of research and development by multinational enterprises (New York: St. Martin's Press, 1989)
Prasad, Eswar et al. Effects of financial globalization on developing countries: some empirical evidence (Washington: Internationl Monetary Fund, 2003)
Resende, André Lara (org). Políticas para o Crescimento: a experiência da América Latina (Brasília: Banco Central/Fundo Monetário Internacional, 1995)
Reynolds, David: One World Divisible: a global history since 1945 (New York: Norton, 2000)
Ricupero, Rubens. O Brasil e o dilema da globalização (São Paulo: Senac, 2001)
Rocha, Angela da. A Internacionalização das Empresas Brasileiras - Estudos de Gestão Internacional (Rio de Janeiro: Mauad, 2002)
Rodrik, Dani. Has Globalization Gone too Far? (Washington: Institute for International Economics, 1997)
Rosencrance, Richard. The Rise of the Trading State: Commerce and Conquest in the Modern World (New York: Basic Books, 1986)
Saraiva, José Flavio Sombra (org.): História das relações internacionais contemporâneas: da sociedade global do século XIX à era da globalização (São Paulo: Saraiva, 2006)
Scott, Alan (ed.). The Limits of Globalization : Cases and Arguments (Londres: Routledge, 1997)
Skidelsky, Lord Robert. The Road From Serfdom: the economic and political consequences of the end of communism (New York: Penguin Press, 1996; 1ª ed.: The world after communism: a polemic for our times; London: Macmillan, 1995)
Van Der Wee, Herman. Histoire Économique Mondiale, 1945-1990 (Louvain-la-Neuve: Academia-Duculot, 1990)
Veiga, Pedro Motta (org.). O Brasil e os Desafios da Globalização (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000)
Vernon, Raymond. In the hurricane's eye: the troubled prospects of multinational enterprises (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1998)
Warsh, David: Knowledge and the Wealth of Nations: a History of Economic Discovery (New York: Norton, 2006)
Yergin, Daniel; Stanislaw, Joseph: The Commanding Heights: The Battle for the World Economy (New York: Touchstone, 2002)

V. Metodologia de ensino.
As aulas cobrirão 45 horas-aula e constarão de aulas expositivas, de leituras orientadas, seminários, debates contraditórios. Cada um dos itens do conteúdo programático serão expostos pelo professor e debatidos pelos alunos e sistema de seminários. Cada aluno apresentará pelo menos um tópico, sobretudo no que refere à importância do tema escolhido para o Brasil. O sistema de eleição será feito em comum acordo com o professor e com os demais colegas.

VI. Avaliações.
A avaliação levará em consideração três aspectos: a) a participação do aluno nas discussões em sala de aula; b) a apresentação individual de seu tema nos seminários; c) a entrega de uma monografia de final de curso com um mínimo de 15 e um máximo de 30 páginas, dentro das normas do manual de monografias do Curso de Direito do UniCEUB, sobre um dos temas focados no programa.

Paulo Roberto de Almeida
29 de julho de 2009
Materiais de curso disponíveis na página do Professor:
www.pralmeida.org, seção Academia,
ou num dos blogs disponíveis para esse efeito,
mais especificamente no Blog Academia:
http://pracademia.blogspot.com/

sexta-feira, julho 24, 2009

65) Juros Negativos: enxugando gelo...

Os custos do juro negativo
João Carlos de Oliveira, para o Valor, de São Paulo
Valor Econômico, 24/07/2009

Em 30 países, o preço do dinheiro cai até níveis ínfimos e em 15 já se encontra abaixo de zero, num cenário dominado pela recessão e pelo receio de que a inflação pode voltar.

A pessoa investe em gelo as economias que acumulou durante anos de trabalho. Depois, deixa no sol para que derretam. Assim é viver em um país onde as taxas de juros são negativas. Isto é, a taxa nominal de juros corre abaixo da inflação estimada. Ou seja, o rendimento de aplicações não é suficiente para manter o valor real da poupança. Logo, os recursos já não são mais compatíveis com a aposentadoria prevista, a viagem acalentada ao exterior ou com as despesas de educação dos filhos.

Hoje, no mundo, as populações de 15 países, de um conjunto de 45 considerados os mais representativos da economia global, convivem com juros negativos, como mostra tabela elaborada pelo Valor Data a partir de dados da Bloomberg e estimativas para o comportamento dos preços que constam do relatório World Economic Outlook, do Fundo Monetário Internacional (ver tabela na página 13).

Em outros 15 países, os juros reais oscilam entre zero e 1%. Deste segundo conjunto fazem parte os integrantes da Zona do Euro e os Estados Unidos - onde os juros só são positivos por causa da deflação. Este é também o caso do Japão - que convive com deflação e baixíssimos juros e taxas de crescimento desde o inicio da década de 1990 -, da Suíça e da Suécia.

Em apenas oito países os juros reais estão acima de 4%, entre os quais o Brasil e a China (em sua última reunião, o Copom reduziu a taxa básica de 9,25% para 8,75%). Mas a tendência é, nesse caso, de queda, já no curto prazo. Antes de tratar das exceções, porém, cabe olhar mais de perto o que é a regra na cena mundial, o fato de que os juros reais são baixos.

Há um círculo vicioso que vincula juros próximos de zero a um processo agudo de queda dos preços. Na tentativa de zerar, ou reduzir até onde possível, a perda financeira efetiva, o investidor contém gastos e aumenta o valor poupado. A queda do consumo faz cair o nível de atividade, o que abre a temporada de liquidações. No limite, na expectativa de que o preço amanhã será sempre menor que o de hoje, o consumo é adiado e a economia definha.

A economia mundial já caiu antes nesse buraco. Foi em 1929. Com a tabela fica claro que, e essa é a fotografia do momento, já não é necessário recorrer aos livros para saber o que é a tal "armadilha da liquidez", o conceito original elaborado por John Maynard Keynes. Na prática, essa situação ocorre quando a taxa de juros nominal se aproxima de zero ou o atinge e a autoridade monetária se vê impedida de estimular a economia usando os instrumentos tradicionais da política monetária. O mesmo ocorre quando, e é o caso atual dos Estados Unidos, há deflação. Nesse caso, recomendava Keynes, a melhor forma de impedir a depressão é o Estado investir, gerando renda e consumo, para limitar ou minimizar a queda da atividade.

Em 1929 não se fez isso. Os países deixaram, em um primeiro momento, que o mercado cuidasse do ajuste - e um em cada quatro americanos acabou desempregado, com amplos reflexos econômicos, sociais e políticos em todo o mundo.

As lições do passado estão na base do cenário de juros visto na economia global de hoje. Para evitar que a história se repetisse como uma enorme tragédia, fez-se algo inédito: governos e bancos centrais agiram de forma concertada, reduzindo juros, injetando liquidez e aprovando pacotes bilionários para limitar o alcance e a duração da recessão. Muitos bilhões depois, contudo, os sinais não são indiscutivelmente alentadores.

Os juros que vigoram na cena mundial são, na definição de Edmar Bacha, um dos pais do real e, atualmente, consultor sênior do Itaú BBA, "taxas de depressão". "Esse quadro de juros no mundo é produto de uma crise muito forte, de uma destruição de riqueza muito grande, de uma queda do consumo muito importante." Olhando de outro ângulo, "é fruto da tentativa dos bancos centrais de adotarem uma política anticíclica", comenta Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central.

Em alguns casos, como notadamente é o dos Estados Unidos, as taxas de juros já caíram tanto e com tamanha intensidade que, como diz Bacha, "estão esgotadas as possibilidades de usar a redução dos juros como forma de incentivar as economias". É a armadilha, de novo. Bacha observa, porém, que os bancos centrais não ficaram paralisados. "É essa política de expansão quantitativa, com a recompra das dívidas, com a injeção de recursos. São essas políticas de crédito."

Mesmo essas políticas têm limites. Como lembra Goldfajn, o próprio Fed (banco central americano) parou de fazer esse tipo de operação. Motivo: o mercado passou a enxergar inflação para os próximos dez anos. "Nos próximos dois anos, a percepção é de que não haverá inflação, dado o nível de capacidade ociosa da economia. Mas, para dez anos, a perspectiva é de volta da inflação. E essa perspectiva se acentua com a injeção de liquidez." Essa percepção já está afetando e aparecendo na curva de juros futura. "Nos títulos do Tesouro americano de dez anos, as taxas já refletem essa aposta, subiram de 2% para 4%, e agora estão oscilando em torno de 3,6%".

Outra preocupação que também já aparece na curva de juros é com o endividamento crescente, especialmente dos Estados Unidos e do Reino Unido. A dívida dos Estados Unidos, exclusivamente do governo federal, como resultado das ações para limitar a depressão, vai sair do patamar de 40% do PIB para 80% do PIB, calcula-se.

"O que há de novo é que a política de juros dos Estados Unidos poderá ser afetada pelo grau de endividamento, exatamente como ocorreu com países como o Brasil", diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, estrategista-chefe da Quest Investimentos e ex-ministro das Comunicações.

Isso também já se viu, em outra dimensão, no passado, quando um misto de inflação e crescente endividamento foi combatido com golpes de juros por Paul Volcker. As taxas de dois dígitos quebraram os países latino-americanos, além da cidade de Nova York, por exemplo.

Também por isso, afirma Goldfajn, Ben Bernanke, presidente do Fed, já disse publicamente que o Tesouro americano precisa dar sinais para o mercado de que a rota do endividamento será contida e que haverá estabilidade dos gastos públicos.

Na prática, enfim, o que Goldfajn está dizendo é que o Fed se encontra em uma nova encruzilhada, já que o instrumento de que dispõe atualmente para atuar na economia, injetando liquidez, afeta negativamente a curva de juros, elevando as taxas dos títulos de 10 e 30 anos, o que pode abortar o processo de recuperação.

Para ele, por isso, o Fed pode, agora, fazer pouco (para estimular a economia) e a bola está com Barack Obama, já que depende do governo federal sinalizar que a questão fiscal será enfrentada e como será. "Ele é o cara."

Contudo, a aposta do mercado de que a injeção de recursos provocará inexoravelmente inflação no futuro - imaginando que por futuro se entenda uma década - não é necessariamente uma verdade. Vai depender, de novo, do tamanho e desdobramentos da crise. O economista Paul Krugman lembrou, em artigo recente, que a base monetária dos Estados Unidos dobrou entre 1929 e 1939, e os preços caíram 19% nesse período de dez anos.

Além disso, convém destacar, a economia americana, em particular, e a mundial ainda não reagiram o suficiente - com a exceção da China, que pode voltar a crescer 8%.

Respondendo a pressões dos mercados e de políticos para que revele qual seria a "estratégia de saída" das políticas que têm sido adotadas para dar sustentação à economia, Bernanke disse, em depoimento no Congresso, que o Fed tem, sim, esse plano de escape. "As medidas extraordinárias que tomamos como resposta à crise financeira e à recessão poderão ser revogadas sem nenhum problema, na ocasião oportuna." O Fed poderia aumentar os juros pagos pelo uso de reservas bancárias, para ajudar a fixar um piso para as taxas de juros, disse Bernanke. Também existe a opção de vender títulos de longo prazo. Bernanke enfatizou, porém, que o Fed não pretende implementar essas medidas enquanto a economia continuar fragilizada.

"A recessão estava ganhando de 3 a 0 (quando as medidas contracíclicas foram adotadas nos Estados Unidos)", compara o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Para ele, com o pacote de estímulos e com a injeção de liquidez foi dado um piso para o processo de deflação de ativos - as dívidas, afinal, foram recompradas por preços fixados pelo Fed - e o que se conseguiu até aqui foi, em termos de atividade, impedir que a crise se aprofundasse. A economia "caiu mais devagar".

Contudo, afirma Belluzzo, "o risco é, se os juros subirem, de a retomada, mesmo tímida, ser abortada e surgir um novo miniciclo recessivo. Foi o que aconteceu entre 1937 e 1938, no governo Roosevelt". Para evitar isso, Belluzzo entende que o Fed deve continuar atuando, recomprando dívidas (o que equivale a injetar recursos) na tentativa de deslocar a curva de juros longos para baixo.

De fato, apenas para recordar o período Roosevelt, eleito para tirar o país do atoleiro de 1929 e marcado pelas políticas do New Deal, a economia dos Estados Unidos cresceu rapidamente, de 1933 a 1937, mas o desemprego se manteve em torno de 15% até 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Contudo, quando, em 1937, aumentou a receita (um efeito da recuperação), a política fiscal do governo Roosevelt foi contracionista, na tentativa de equilibrar o orçamento. No mesmo ano, para combater o aumento da liquidez, o Fed subiu as taxas de juros e elevou o depósito compulsório dos bancos. Na época, uma das poucas vozes contrárias foi a do economista Milton Friedman.

Voltando aos dias de hoje, apesar das divergências sobre a eficácia e a possibilidade ou não de o Fed continuar a recomprar dividas e a injetar mais recursos na economia, os economistas ouvidos concordam que não são triviais os riscos a enfrentar nos próximos meses e anos. O principal deles é o de os juros elevados impedirem a recuperação. O detalhe é que, e todos concordam, a estratégia de médio prazo do Fed deverá ser a de elevar as taxas de juros até o considerado padrão neutro histórico - taxas entre 2% e 4%. Assim, no médio prazo, se tudo der certo, a tendência é de as taxas subirem nos países centrais.

A despeito disso, "nos próximos dois anos as taxas vão ficar abaixo do patamar histórico", prevê Mendonça de Barros. O motivo é simples: a economia mundial vai continuar patinando e crescendo abaixo do seu potencial.

Bacha estima que "só em 2012 (quando Obama disputará a reeleição) teremos juros parecidos com o que tínhamos em 2006". Menos pessimista, Goldfajn considera ser possível atingir o patamar dos chamados juros neutros já em 2011.

De todo modo, e há consenso nisso, os juros vão permanecer historicamente baixos nos países centrais, como Estados Unidos, Zona do Euro, Reino Unido e Japão, por que o crescimento continuará sendo menor do que a variação do PIB potencial - o dos Estados Unidos seria de 3,5%.

Também é consensual a opinião de que os juros no Brasil podem continuar em queda, fazendo com que a diferença entre as taxas pagas aqui e nos países centrais seja menor no pós-crise.

"Ao contrário do que o mercado vem indicando, não acredito que a taxa neutra no Brasil esteja em 7% ou 8%. A taxa neutra no país vinha em uma trajetória de queda. No início do real, os juros reais eram de 15%. E vieram caindo. Hoje, creio, estão entre 3% e 5%", afirma Goldfajn.

Essa possibilidade de o país pagar e praticar juros mais civilizados decorre, acredita Goldfajn, do fato de que "há 15 anos temos uma política econômica responsável, que, apesar da alternância no poder, permaneceu a mesma na sua essência".

Mendonça de Barros concorda com Goldfajn e salienta que a principal mudança estrutural econômica foi no lado externo, do balanço de pagamentos. "A taxa neutra não é 7%. É menor que isso. Só não sabemos se é 4% ou 3%. Será preciso testar", sugere.

Mendonça de Barros enfatiza, no entanto, que o comportamento dos juros, no curo prazo, pode ser afetado pelas medidas de aumento do gasto público que estão sendo adotadas pelo governo, "especialmente se tiverem um caráter permanente". Goldfajn concorda e frisa: "Lula já comeu todo o ganho obtido com a queda dos juros".

Segundo os cálculos de Goldfajn, os aumentos já contratados para gastos correntes só permitem a geração de superávits primários (receitas menos despesas, excluindo-se as com o pagamento de juros) da ordem de 1,5% a 2% do PIB. Esse superávit só é compatível com a manutenção da queda da relação dívida e PIB se os juros reais forem de, no máximo, 5%. Em resumo: não há mais margem de manobra. Ou, como prefere dizer Goldfajn, "se o mercado estiver certo, e as taxas subirem, a conta não fecha". Mas ele não crê nisso.

sexta-feira, janeiro 30, 2009

65) Crise financeira: uma analise empirica

Recomendo vivamente, e nao apenas aos economistas, a leitura deste artigo.
Num momento em que os delirantes de sempre vivem acusando a falta de governo ou de regras como as responsaveis pela crise, um keynesiano moderado prova, com dados empiricos indesmentiveis, como a crise foi provocada pelos proprios governos, alias pelas autoridades monetarias, ao manter uma oferta abundante de liquidez a juros irresponsavelmente baixos durante muito tempo.
Nao existe falta de governo, assim como nao existe falta de regras (independentemente de que banqueiros possam ter agido irresponsavelmente, ou alguns até criminalmente, mas isso pode ser enquadrado na legislacao existente), o que existe, na verdade é populismo monetario, pois politicos e autoridades monetarias irresponsaveis estao sempre dispostos a continuar financiando a prodigalidade consumista de seus eleitores praticando politicas insustentaveis ate pelos padroes keynesianos...
Recomendo, tambem, como ele faz, a leitura do artigo de John B. Taylor, “The Financial Crisis and the Policies Responses: an Empirical Analysis of What Went Wrong” (Working Paper 14631, National Bureau of Economic Research, janeiro de 2009).
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Paulo Roberto de Almeida

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A CRISE E A DAMA DE ESPADAS
Ubiratan Iorio
Artigo do Mês - Ano VIII – Nº 83 – Fevereiro de 2009

John B. Taylor, professor da Universidade de Stanford, acaba de publicar um instigante artigo, “The Financial Crisis and the Policies Responses: an Empirical Analysis of What Went Wrong” (Working Paper 14631, http://www.nber.org/papers/w14631, National Bureau of Economic Research, janeiro de 2009). Taylor é um respeitado economista especializado em Economia Monetária e pode ser classificado como um keynesiano competente, moderno e moderado. No entanto, o fato de ser keynesiano não o impede de afirmar categoricamente que o intervencionismo governamental do Fed não apenas foi a principal causa da crise financeira que se abateu sobre o mundo em 2007-2008, mas também que é o responsável por seu prolongamento e por sua gravidade. Segundo o Prof. Taylor, tudo começou após o abandono, depois de duas décadas (período que denomina de “Grande Moderação”), de certos princípios de condução da política monetária para a fixação da taxa de juros pelo Fed; o prolongamento deve-se a um diagnóstico incorreto – o da “falta de liquidez”, quando o problema não estava nisto, mas em um agravamento do risco de contraparte –, o que levou o Fed a adotar respostas inapropriadas; e o agravamento foi provocado pela adoção de medidas como o suporte a certas instituições financeiras e seus credores (como nos casos de Fannie e Fred), enquanto outras foram abandonadas pelo governo (como a Lehman Brothers), isto é, a um comportamento ad hoc, que só teria feito crescer o risco e a incerteza.

O risco de contraparte está presente em qualquer contrato de compra e venda. Refere-se ao risco de que o vendedor não pague ao comprador (risco do vendedor) ou de que o vendedor não entregue o bem ou serviço ao comprador (risco do comprador). O mesmo existe quando se adquire uma geladeira no Ponto Frio - situação em que a geladeira tenderá a ser mais cara na medida em que o Ponto Frio for perdendo confiança na adimplência de seus clientes - ou quando um banco adquire um título no mercado interbancário. Quando o risco de contraparte é maior no mercado interbancário, ou seja, quando bancos vendedores de títulos não confiam no pagamento em dia dos bancos compradores de títulos, a taxa de juros exigida pelo comprador (emprestador de dinheiro) tende obviamente a ser maior. Taylor destaca justamente que a falta de confiança nos agentes do mercado leva ao emprestador de dinheiro no interbancário (comprador de títulos) a exigir um retorno maior (cobra um spread maior em relação à Libor).

É sempre reconfortante quando um respeitado economista, tido como keynesiano, escapa ao lugar comum da maioria de seus colegas (como, por exemplo, Paul Krugman, para não falarmos dos que assessoram o ministro Mantega), que insistentemente vêm atribuindo a crise às “falhas de mercado”. Taylor, em seu paper deixa claro que a origem dos sérios problemas que a economia mundial atravessa está nas falhas de governo! É também motivo de satisfação para mim, que passei a me interessar pela Escola Austríaca de Economia depois de anos de teoria e prática de Análise Macroeconômica pura, encontrar um diagnóstico semelhante (ver, por exemplo, meus Artigos do Mês de outubro e de novembro de 2008, bem como a seção de vídeos em meu site), emitido por um afamado colega estrangeiro que usa um instrumental teórico bastante diferente daquele sugerido por Mises, Hayek, Garrison e outros (desconhecidos, infelizmente, pela maioria dos economistas).

A orgia que o Fed promoveu nos juros fica patente no gráfico abaixo, extraído da revista The Economist de 18 de outubro de 2007, que descreve a trajetória da taxa de juros observada (linha azul) e que mostra também a taxa de juros que deveria ter sido praticada, caso a regra que conduziu o período da “Grande Moderação” – conhecida como “regra de Taylor”- fosse mantida (linha vermelha). Com efeito, a taxa de juros estabelecida pelo Fed caiu para menos de 2% em 2002, chegou a 1% em 2003 e aí permaneceu até meados de 2004, quando passou a subir até 2006, quando deveria, entre 2002 e 2004, ter sido estipulada, na média, entre 4% e 5% ao ano.


(gráfico, consultar o lonk original do artigo)

A linha azul caiu para menos de 2% em 2002, chegou a 1% em 2003 e aí permaneceu em 2004, quando passou a subir até 2006. A linha vermelha mostra a trajetória que deveria ter sido adotada pelo Fed, caso a “regra de Taylor” tivesse sido observada. A regra pode ser resumida em uma equação simples:
(gráfico)
, em que

é a taxa de juros nominal de curto prazo, considerada como alvo pelo Fed; é a taxa de inflação medida pelo deflator implícito do PIB; é a meta de inflação; é a taxa real de juros considerada como “de equilíbrio”; é o PIB real observado e é o PIB potencial ou tendência). A equação apenas nos diz que o Fed deve levar em conta, ao estabelecer a taxa nominal de juros de curto prazo básica: (1) a inflação corrente, (2) a taxa de juros real que equilibraria a demanda e a oferta de fundos e (3) os desvios da inflação observada em relação à inflação desejada e do PIB observado em relação à tendência de longo prazo do PIB. Quanto maiores forem a inflação, a taxa de juros real de equilíbrio e os desvios para mais da inflação observada em relação à meta de inflação e do PIB corrente em relação à sua tendência, maior deve ser a taxa de juros a ser fixada pelo Fed. Mas as autoridades monetárias americanas, para manter a economia aquecida, não seguiram esta boa praxe, especialmente entre 2002 e 2004 e, a rigor, até 2006, preferindo adotar uma política monetária excessivamente frouxa. O gráfico seguinte, extraído do artigo de Taylor, mostra que o mesmo comportamento foi seguido pelas autoridades monetárias da Europa, com um retardo, desde o final de 2003 até 2006. Observem os fortes desvios da taxa de juros observada em relação à indicada pela “regra de Taylor”, ocorridos especialmente em 2004 e do segundo semestre de 2005 até o final do primeiro semestre de 2006.

(gráfico)

Para os economistas “austríacos”, estava plantada a semente da crise! Bastava que, a partir daí, o governo a regasse. Para os economistas da tradição de Chicago, também! E até mesmo para bons keynesianos, como Taylor, que, embora acreditando - por razões técnicas, que nada têm a ver com ideologia, em algum intervencionismo -, defendem estabilidade de regras. Mas as regras nada tiveram de estáveis, nem nos Estados Unidos, nem na Europa e, tampouco, na Ásia. A semente foi regada e de maneira irresponsável. Temo que, com as atuais pressões que o Banco Central do Brasil vem sofrendo para reduzir a taxa Selic por razões estritamente políticas, setoriais e ideológicas, fantasiadas sob o pretexto de “evitar que a crise se agrave no Brasil”, nosso governo embarque nessa autêntica canoa furada e repita aqui os erros cometidos nos países desenvolvidos, em que a farra não se restringiu a taxas de juros excessivamente baixas, mas a uma série de pajelanças de causar inveja aos economistas brasileiros que, a partir dos anos 80, fizeram pacotes e mais pacotes, com cinco congelamentos de preços, que arrebentaram com a nossa economia. Temo mais ainda porque sabemos que, nas terras de nosso país, em se plantando, tudo dá e, sendo assim, bastam poucas gotinhas de heterodoxia para a crise deixar de ser uma “marolinha” e transformar-se em uma onda havaiana... Isto é preocupante, porque uma das poucas instituições públicas que vêm funcionando bem no atual governo brasileiro é o Banco Central, cuja política responsável é exatamente o alvo de críticos heterodoxos, de empresários gananciosos e de políticos para os quais não encontro no momento um adjetivo adequado, de tão afastados que estão em relação ao verdadeiro bem comum.

Nos Estados Unidos, o governo encorajou a compra de casas próprias com hipotecas às quais se aplicava a sub-prime, o que contribuiu para aumentar fortemente a demanda por hipotecas e para elevar o risco de contraparte (counterpart risk): o spread entre a Libor e o OIS (Overnight Index Swaps) - que é uma boa medida para essa modalidade de risco - saltar de 10 pontos básicos (Bps) em agosto de 2007 para 120 Bps no restante de 2007 e para 400 Bps em 2008, provocando o que Taylor e os analistas financeiros denominam de black swan. Em bom português, um cisne negro.

Existe uma correlação entre aumento do risk taking e taxas de juros artificialmente baixas, mostrada no gráfico abaixo (também extraído de Taylor), que mostra, em porcentagens, a “inflação” no mercado de imóveis acompanhada pela maior inadimplência e pela maior tomada de casas por parte dos credores:

(grafico)

Podemos verificar o forte aumento nos preços dos imóveis observado entre meados de 2003 até o início de 2006 (período em que a taxa de juros do Fed esteve excessivamente baixa) e o seu declínio posterior. Observamos também a correlação negativa existente entre as taxas de inadimplência e de perda com a os aumentos nos preços das residências. A explicação de Taylor para esse fenômeno é que os benefícios de possuir uma casa própria, talvez trabalhando mais horas para honrar as hipotecas, aumentam quando os preços dos imóveis estão em ascensão, mas, quando esses preços estão em queda, eles caem e podem tornar-se negativos se os valores dos imóveis ficarem menores do que os das hipotecas, tal como ocorreu a partir de 2006.

Sei que não escrevo apenas para economistas e por isso sugiro aos leitores que apenas tenham alguma familiaridade com o economês, ou que, pelo menos, não fujam espavoridos à vista da primeira equação ou gráfico, que leiam o artigo de Taylor, no link acima indicado. Não é difícil de entender e vale a pena.

Mas, a esta altura, você deve estar perguntando por que o título deste artigo refere-se a uma misteriosa Dama de Espadas... Bem, a metáfora é do próprio Taylor. Todos conhecem aquele joguinho que vem no Windows, o Jogo de Copas, em que nenhum dos participantes sabe com quem está a Dama de Espadas e quem “morrer” com ela perde muitos pontos. Pois no jogo da crise financeira que vem sacudindo a economia mundial distribuiu-se não apenas uma dessas fatídicas cartas, mas muitas... Cada Dama de Espadas era uma modalidade de título lastreado em hipotecas “podres” incentivadas pelo governo americano e os agentes econômicos, tanto bears como bulls, não sabiam que existiam e muito menos com quem estavam. Detinham-nas, talvez, pensando tratar-se de Damas de Copas. Há mais de um ano, não se sabia que bancos detinham Damas de Espadas em suas carteiras e até hoje ainda não se sabe exatamente onde estão enfurnadas. Por isso, para Taylor, o risco nos balanços das instituições financeiras, provocado pelo excesso de liquidez, deve ser considerado como o coração da crise. O problema não é de falta de liquidez, mas de excesso de risco, provocado por excesso de liquidez. Portanto, aumentar a liquidez, baixar os juros e aumentar gastos públicos não vai resolver. A crise de hoje é bem diferente da que ocorreu na chamada Grande Depressão. Naquele tempo, não havia Damas de Espadas penduradas nos balanços de instituições financeiras.

Teremos que esperar algum tempo – a rigor, ninguém pode dizer exatamente quanto – até que todas as Damas de Espadas existentes nos balanços do mundo sejam reveladas e a economia mundial possa voltar à normalidade. Nem mesmo Barack Obama – elevado, pelo que transparece na mídia, à condição de santo milagreiro pela esquerda mundial, poderá fazer milagres.

Só espero que nossas autoridades econômicas não executem aqui o que não deu, não está dando e não poderá dar certo no resto do mundo. Já nos bastam os muitos naipes completos de cartas de Espadas que temos aqui...