Aprendiz de feiticeiro
Cláudio Haddad
Valor Economico, 12/07/2007
Há sinais preocupantes de perda de qualidade da política econômica, tanto na Fazenda quanto no Banco Central. Inebriadas pelo bom ambiente internacional e pela herança que estão colhendo das administrações anteriores, as autoridades atuais, acreditando em mágica, estão jogando fora todo um trabalho que, a duras penas, trouxe grandes benefícios ao país.
O primeiro sinal foi o triste episódio do anúncio da meta dupla de inflação para 2009. Este, já bastante comentado, vale a pena ser revisitado à luz da entrevista dada pelo ministro da Fazenda ao "Estado de S. Paulo" (1/7) e exibida no site do ministério. Na entrevista, o ministro afirma que "achar que eu quero mais inflação é besteira". Entretanto, a única conclusão que se pode tirar da entrevista é que é justamente isso que o ministro quer e provavelmente terá. Não, como ele argumenta, porque o BC iria se esforçar para elevar a inflação do patamar atual para 4,5%, mas sim como conseqüência lógica da estratégia operacional, anunciada por ele na entrevista e reproduzida a seguir:
"O BC vai mirar em 4,5%. O BC não vai definir nada, pois a meta já está definida... Ele tem de colocar 4,5% no modelo dele. Isto permite que continue reduzindo a taxa de juros... Ao estabelecer uma meta de 4,5%, tenho a garantia de que o juro será menor... Agora, se não der chegar a 4% , o BC não será sacrificado, pois terá a meta de 4,5% e não vai precisar puxar o gatilho (elevar os juros)".
Ou seja, o BC irá, ou será instado a, continuar a reduzir o juro até que a inflação atinja o patamar de 4,5%, contra 3,7% hoje. Negar, portanto que se queira mais inflação é como um fumante compulsivo que negue estar querendo prejudicar sua saúde. Óbvio que a intenção não é esta, mas ela se segue como conseqüência lógica e natural da ação.
A Fazenda coloca a estabilidade em risco
Além do fato bizarro de a entrevista revelar ser o ministro da Fazenda um tanto leniente com a inflação, e um alto executivo que estabelece como meta um resultado pior do que o conseguido até agora (o que seria inédito em uma empresa privada), ela dá um péssimo sinal aos agentes econômicos. Pois o que ela diz é: podem subir preços para tentar recompor margens que só reagiremos quando a inflação chegar a 4,5%. Equivale ao general comandante declarar publicamente: se o inimigo atacar, recuaremos. Aliada à nova escalada protecionista que estamos vivenciando, representará preços mais elevados ao consumidor, que aparentemente sensibilizarão o ministro apenas quando a inflação bater na nova meta.
Depreende-se da entrevista que o ministro acredita, contra todo o arcabouço teórico e empírico da economia, que se pode ganhar mais crescimento aceitando-se mais inflação e que a taxa Selic determina a estrutura de taxas de juros independentemente das expectativas. O mercado, que não é ingênuo, rapidamente desmentiu essa crença, elevando os juros de médio e longo prazo em 50 pontos do início de junho para cá. Dessa forma, além de aumentar a inflação esperada e tornar mais difícil a vida do Banco Central, o ministro encareceu a rolagem da dívida para o Tesouro.
Já o Banco Central, antes um modelo de racionalidade, austeridade e cautela ao executar e comunicar a política monetária, agindo através dos instrumentos clássicos e evitando introduzir ruídos desnecessários ao sistema, vem mudando sua forma de atuação. A diretoria atual aparentemente gosta de complementar a política monetária tradicional com ingerência e operações financeiras criativas, tendo menos preocupação com comunicação, previsibilidade e transparência. Episódios como o anúncio de troca de diretoria pouco antes da abertura dos mercados, leilões de "swap" aleatórios e alterações seguidas nos limites das posições vendidas de câmbio dos bancos, denotam um comportamento ativista e ruidoso, muito característico do Brasil até a mudança do regime cambial.
Uma das grandes vantagens do câmbio flutuante foi a de dar liberdade ao BC de executar política monetária exclusivamente através da taxa de juros, evitando intervenções desnecessárias e nocivas ao sistema. A boa autoridade monetária tem por dever evitar gerar ruídos e criar volatilidade. Estes só aumentam a incerteza, os prêmios de risco e os custos para os agentes econômicos, reduzindo a produtividade da economia. Além disso, causam transferências de renda aleatórias e alimentam toda uma indústria de "insiders", muito próspera no Brasil até 98. E, o pior, é que o efeito final dessas medidas é, em geral, nulo. Ao forçar os bancos a vender suas posições de câmbio, o BC pode até provocar uma desvalorização temporária da taxa. Mas em que esta medida afeta os determinantes estruturais do balanço de pagamentos e da oferta e procura de divisas? É muito barulho para nada, o que depõe contra a autoridade monetária e acaba desmoralizando-a.
Os sinais não são nada bons. A política econômica do primeiro mandato tinha um rumo, detalhado em em dois documentos, "Reformas Institucionais e Crescimento Econômico" e "Política Econômica e Reformas Estruturais", antes facilmente encontrados no site da Fazenda. Estes documentos originaram uma série de reformas institucionais, principalmente relacionadas a crédito, que trouxeram grandes benefícios à população e contribuíram para a aceleração do crescimento. E, por mais que se tenha criticado o sistema de metas de inflação e a ortodoxia do BC, o fato é que o país nunca vivenciou uma inflação tão baixa e um clima de estabilidade tão favorável quanto o atual.
Fora a lista de intenções do PAC, em que está engajada esta nova equipe econômica? Tudo indica que em reverter o que foi construído antes. O câmbio é flutuante, "ma non troppo". Ao invés de continuada liberação comercial, assiste-se uma nova escalada protecionista. A inflação caiu, mas a Fazenda não quer colher o benefício, colocando em risco a estabilidade. Agenda de reformas, pelo visto, nem pensar. Comportam-se como aprendizes de feiticeiro. Resta torcer para que o feitiço não se volte contra nós.
Claudio Haddad é diretor-presidente do Ibmec São Paulo e presidente do Conselho da Veris Educacional S.A. Escreve, quinzenalmente, às quintas-feiras
chaddad@isp.edu.br
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Um comentário:
Inteligência vem de inter legere, ler nas entrelinhas, ou encontrar a gema aprisionada na casca das palavras, no caso, no que jaz debaixo do discurso - e antes ficasse só no discurso e não em atitudes - do senhor ministro da Fazenda. Mais genial e difícil do que pôr um ovo em pé e pôr a gema às claras, neste país onde as gemas dos ovos econômicos quase sempre são envoltas por escuras...
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