Desenvolvimentistas, atrasadistas e inflacionistas
Mailson da Nóbrega
O Estado de S. Paulo, Domingo, 15 de julho de 2007
Ainda há confusão por conta da desastrada decisão sobre a meta de 4,5% para a inflação em 2009, defendida pela Fazenda contra as evidências de que era melhor fixá-la em 4%. O mercado financeiro pode tomar o rumo certo, se acreditar, por alguma razão, que o BC vai perseguir os 4%, mas o ministro não se cansa de confundir: voltou a dizer que o BC perseguirá o centro da meta, mas se ficar abaixo 'tudo bem'.
O episódio, que tisnou o regime de metas de inflação, reviveu o debate estéril em torno de suposta divisão entre 'desenvolvimentistas' e os outros, por eles chamados de neoliberais. O ministro, que se diz 'desenvolvimentista', deixou sua tribo feliz. Houve quem dissesse que a meta é 'sensata', quando merecia outro adjetivo.
Que diabos é ser 'desenvolvimentista'? Quem assim se auto-intitula dirá que é querer o desenvolvimento. Mas será que os outros não desejam o mesmo? Ninguém levantou a bandeira do atraso, pois aí teríamos o 'atrasadista', uma espécie tão extravagante quanto o 'desenvolvimentista'.
Na verdade, trata-se de visões distintas do mundo. O 'desenvolvimentista' acredita pouco no mercado e muito no Estado como fonte do crescimento. O governo teria o poder de alocar os recursos segundo seus melhores usos e de ditar os níveis mais convenientes do câmbio e dos juros.
O 'desenvolvimentista' crê que a economia pode ser orientada por políticas intervencionistas, conduzidas por burocratas capazes de bem escolher os vencedores. Na verdade, reconheçamos, foi assim na Alemanha do século 19, como mostrou A. Gerschenkron, em obra clássica. De certa forma, é o que aconteceu na Coréia do Sul e acontece na China.
Inspirações como essas explicam o gosto do 'desenvolvimentista' pela ação do Estado. Dificilmente, contudo, é o caso do Brasil de hoje, pois a sua adoção implicaria poder de arbítrio incompatível com nossa realidade institucional e com os interesses dos pobres, que pagaram, via inflação, a conta de tais políticas no passado.
Normalmente, o 'desenvolvimentista' se considera discípulo de Keynes. Como neokeynesiano, ele advoga ações estatais justificáveis nos anos 1930, pelo lado fiscal, em circunstâncias distintas, principalmente quando se considera a rigidez orçamentária do Brasil.
O 'desenvolvimentista' está direta ou indiretamente influenciado pelo artigo de A. W. Phillips, de 1958, e sua famosa curva. Nos anos 1960, sua teoria convenceu muitos de que era possível ter um pouco mais de inflação em troca de mais crescimento. A idéia, na sua versão original, foi superada por novos avanços teóricos e pelas crises inflacionárias dos anos 1970 e 1980, principalmente na América Latina.
Hoje, está provado que, dadas certas condições institucionais, crescem mais os países com inflação baixa, particularmente por seus efeitos benéficos na expansão do crédito, em especial o imobiliário. O mundo rico convergiu suas taxas de inflação anual para 2%. Nos países emergentes mais bem sucedidos esse nível está em 3% ou menos.
O baixo crescimento do País deriva da reduzida taxa de investimento e do insatisfatório crescimento da produtividade. Suas causas são o caos tributário, a infra-estrutura deteriorada, a baixa escolaridade da mão-de-obra, a dificuldade de fazer negócios, as incertezas sobre contratos, as invasões do MST e por aí afora. Nada disso desapareceria da noite para o dia se decidíssemos crescer mediante ações voluntaristas no câmbio e nos juros. Poderíamos colher mais inflação e menos crescimento.
O desenvolvimento é um processo complexo, mas a evidência empírica e a teoria já provaram que o mercado tem papel primordial. Ao Estado cabe prover o ambiente para o investimento privado, respeito aos contratos - garantia do direito de propriedade, boas regras do jogo regulatório e estabilidade da moeda - e suprir falhas do mercado, em particular a educação e a redistribuição da renda, via políticas sociais sensatas.
Imaginar que é adequado, nos dias de hoje, fixar uma meta mais elevada, quando a inflação corrente e as expectativas futuras apontam para nível anual de 4% ou menos, é desconhecer como o mercado funciona (o que é natural para quem dele desacredita) e o que promove o desenvolvimento. Melhor seria chamar quem assim pensa de 'inflacionista' e não de 'desenvolvimentista'.
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br
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