Transcrevo abaixo artigo da economista Eliana Cardoso sobre o fraco desempenho econômico do Brasil, no confronto com outros países emergentes.
Ficou fora deste post um quadro, em bitmap (não aceito pelo blog) sobre taxas de crescimento em 2005 e estimadas para 2006 para vários países emergentes, começando pela China e terminando no Brasil...
Lanterninha dos emergentes
Jornal Valor Econômico - 02.3.06 - pág. A2
Colunista Eliana Cardoso
Geografia é destino, afirma Jared Diamond, em "Guns, Germs and Steel" (1997), para explicar por que alguns países são ricos e outros pobres. Há milênios, caçadores nômades se tornaram fazendeiros na Eurásia, porque ali existiam plantas de alto valor nutritivo e animais domesticáveis: cavalos, vacas, carneiros, cabras e porcos. Das 14 espécies identificadas por Diamond - domesticáveis para alimentação, transporte e trabalho - apenas a lhama não é nativa da Eurásia.
A agricultura permitiu maior densidade de população e especialização no trabalho. Os que produziam comida alimentavam soldados, burocratas e intelectuais. Especialização e lazer permitiram a invenção de implementos e processos que aumentaram a produtividade e geraram progresso. Em tempos pré-históricos, a geografia moldou também a migração, pois o clima determinava a sobrevivência de plantas e animais. Mais tarde, o convívio com animais domésticos conferiu ao europeu a imunidade a doenças. O conquistador carregaria o vírus que mataria milhares de indígenas no novo mundo.
A teoria de Diamond tem grande poder explicativo, mas deixa de lado as conseqüências para o progresso econômico de um aspecto central das mudanças induzidas pela urbanização na psique humana. Num bando de caçadores nômades, todo mundo é parente. Ao ajudar o próximo, o indivíduo ajuda alguém que carrega o próprio gene. Não existe vantagem em distinguir um companheiro de outro.
Mas, quando centenas de pessoas vivem juntas numa comunidade, o interesse genético força a distinção entre parentes e não-parentes. Os teóricos da evolução atribuem o progresso intelectual às necessidades impostas pela interação dos indivíduos nos aglomerados urbanos. As habilidades cognitivas tiveram que se desenvolver, pois o indivíduo devia escolher o estranho a quem ajudar. Precisava contabilizar dívidas e reconhecer quem iria ajudá-lo no dia seguinte.
Tamanho esforço resultou, durante milênios, no fato de que um número crescente de pessoas podia viver ao nível de subsistência - com a exceção de uma elite diminuta. Durante séculos, a população cresceu devagar, enquanto a renda média crescia em torno de 0% ao ano. Até que, por volta de 1750, a revolução industrial mudou a vida dos homens.
Com o avanço da tecnologia, o crescimento da renda mundial nos últimos 250 anos superou o crescimento acumulado nos 10 mil anos anteriores. Os criadores da onda de inovações que tomou conta da Europa entre 1750 e 1860 eram artesãos e engenheiros. Mas, a partir de 1860, os cientistas ocuparam o papel mais importante. A acumulação de uma massa crítica de conhecimento permitiu conexões inesperadas entre diferentes áreas e as descobertas ganharam um ritmo acelerado.
Instituições e políticas determinam crescimento
Ontem como hoje, o avanço da tecnologia - chave do crescimento - dependia (como ainda depende) da política e das instituições. No começo do século XV, a supremacia científica pertencia à China que, logo em seguida, ficou para trás. Sua elite valorizava a estabilidade acima de tudo. Por isso criou regras que proibiam aventuras marítimas e, assim, bloqueou o comércio e a construção naval. O monarca chinês impunha suas ordens pela força sobre um vasto território.
De tempos em tempos, as elites européias também tentaram entravar avanços tecnológicos. Em 1299, por exemplo, o governo de Florença proibiu aos banqueiros o uso dos algarismos arábicos. Em 1397, o de Colônia proibiu aos alfaiates o uso de máquinas. Mas eram esforços vãos. A Europa estava dividida entre inúmeros Estados políticos. As regras impostas em um não eram obedecidas em outros e prejudicavam apenas o Estado sob o governo intervencionista e incompetente.
A competição entre Estados favoreceu aqueles que se adaptaram bem a mudanças. Os EUA mostraram notável habilidade em transitar da vantagem conferida pela dotação de recursos naturais no seu desenvolvimento inicial em direção às inovações industriais. Por trás dessa capacidade de adaptação estava um sistema de educação que privilegiava a ciência, e um sistema financeiro que emprestava a empresários pequenos e inovadores.
No século XX, as rendas de países mais pobres (como a do Japão) convergiram em direção às rendas das economias mais ricas. Isso ocorreu onde a abertura ao comércio permitiu internalizar tecnologias, ao mesmo tempo em que o câmbio competitivo estimulava as exportações. A Coréia seguiu o exemplo japonês.
Em comparação com o crescimento de 45 anos na Coréia, o dos últimos 20 anos no Chile parece pouco. Mas é muito em comparação ao crescimento medíocre do Brasil no mesmo período. Nos anos 80, nossos políticos esconderam o excesso dos gastos públicos sob uma inflação galopante. Em meados dos 90, deixaram o câmbio fora de lugar, durante quatro anos, para matar a inflação. Hoje repetem a façanha: os gastos públicos sobem enquanto o câmbio sobrevalorizado segura a inflação com conseqüências graves para o crescimento. A figura mostra o Brasil como lanterninha dos emergentes em todos os continentes. Geografia já não é destino. No mundo moderno, instituições e políticas determinam o crescimento.
Eliana Cardoso é economista e escreve às quintas-feiras
E-mail eliana.a.cardoso@terra.com.br
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