Brasil S/A: Antônio Machado
Futuro no passado
FGV resgata idéias de Gudin, o decano dos economistas que, já nos anos 50, dava a fórmula do desenvolvimento
Por Antônio Machado (cidadebiz@correioweb.com.br)
Publicado no Correio Braziliense, Brasília, 17 de março de 2006
O resgate das idéias de Eugênio Gudin, o decano dos economistas brasileiros, pela edição de março da Carta do IBRE, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, FGV, mais que uma homenagem da instituição que inspirou é a constatação de que muitos conceitos em torno do desenvolvimento não tem idade – e o populismo, que parecia moderno e progressista há 50 anos, quando o velho mestre era um crítico quase solitário, hoje se revela parte do arcabouço de decisões que enterraram no passado o então imaginado futuro grandioso do país.
“Passados 20 anos do seu falecimento, em 1986, após um século de vida, é impressionante verificar a atualidade do seu pensamento”, diz a visita do IBRE a um tempo em que defender o investimento de fora, estabilidade fiscal e a economia privada era repelido como se fossem insultos à soberania e manifestação de gente “vendida” aos trustes, como a esquerda nacional chamava as multinacionais.
“Já na década de 50, ele fez o diagnóstico básico dos problemas estruturais que impedem ou dificultam, até hoje, o crescimento brasileiro, e que podem ser resumidos em três grandes grupos: (i) necessidade de concentrar esforços em setores nos quais temos vantagens comparativas; (ii) diminuir o atraso educacional; (iii) reduzir o déficit em infra-estrutura”, sintetiza a Carta da IBRE.
Sem medo de nadar contra a corrente, Gudin defendia que o país se dedicasse a explorar as atividades em que detivesse vantagens comparativas, como a agricultura – o que dos anos 90 para cá se mostrou a salvação da economia e motivo de o país estar liquidando a sua dívida externa –, pelo que mereceu a acusação de inimigo da indústria. O que nunca foi, mas parecia ser porque não perdoava o protecionismo e subsídios a esses empreendimentos, “destruindo assim todo o incentivo à melhoria da produtividade na indústria”, como escreveu à época.
Elites obstusas
“Pobreza”, como definiu em um de seus muitos estudos, artigos e ensaios, “é sinônimo de baixa produtividade, seja ela agrícola ou industrial” – e não de desenvolvimento dependente das economias centrais e do extrativismo, cuja força econômica, naqueles tempos, era mais fruto da visão obtusa das elites empresariais e de opções equivocadas dos governantes que de um determinismo imposto de fora para dentro do país. Ainda hoje, fazer esta revisão, não é sem dor para quem foi educado pela escola do Estado provedor.
Ele propôs uma tecnologia agropecuária adaptada aos trópicos, o que só se tornou realidade com a criação da Embrapa, nos anos 70, a iniciativa empresarial do Estado mais bem sucedida, juntamente com a Embraer e, apesar dos altos e baixos, a Petrobras. Se sua associação entre educação e desenvolvimento econômico, como expôs naqueles anos 50, tivesse virado política de Estado, boa parte do atraso econômico e da miséria estaria erradicada.
Estudos de pesquisadores do IPEA citados pelo IBRE comprovam que para cada ano adicional de escolaridade média brasileira a taxa de crescimento da renda per capita aumenta 0,35 ponto percentual. Por outro estudo sabe-se que 35% da diferença entre a renda per capita do Brasil e dos EUA se explica pela diferença de educação.
Visão revolucionária
Neste ano em que o país vai outra vez repassar o presente e sonhar com um futuro de crescimento econômico e aumento da qualidade de vida geral, se o debate entre os candidatos à Presidência tiver um mínimo de consistência e superar a ditadura imposta pelo marketing eleitoral, Gudin, se não ele as suas idéias, precisa ser mais bem compreendido. Elas estão na agenda dos principais candidatos, até na de Lula, pois nada como o tempo para tornar moderno o que antes era retrô, mas precisa ser revelado ao cidadão todo o custo social de décadas de incompreensão pelas elites sobre o que promove o processo do desenvolvimento. Isto seria revolucionário, ainda que inspirado num intelectual da quintessência do conservadorismo.
Gudin explica melhor o que levou o país a ser campeão no ranking de concentração de renda no mundo que o pensamento de esquerda dos anos 50 e 60, ainda com muitos seguidores no país e que nos levou, como diz o IBRE, a perder tempo e marcar passo.
Pegue-se a questão da infra-estrutura, cuja carência obstaculiza o crescimento econômico acelerado. O dinheiro público sempre foi escasso para financiar sua expansão, mas os governos nunca acharam apropriado o investimento privado e o estrangeiro no setor, sob a crença de que “exploravam” o país. Gudin se opunha a essa teoria, afinal infundada. Segundo estudos recentes citados pelo IBRE, a remuneração do capital privado investido nas ferrovias foi de 8% ao ano, antes de sua encampação pelo Estado, e de 3,6%, no caso da Light, entre 1900 e 1978, em dólares constantes.
Os governos jogaram nestas atividades recursos nunca suficientes, que estariam melhor aplicados em educação pública, até porque tais empresas deixaram de dar lucro depois de estatizadas – e viraram cabide de emprego. O resultado é o que o país tem um déficit de infra-estrutura de 40% em relação ao necessário. Se não existisse, a desigualdade de renda poderia ser 15% menor, segundo o IBRE. É isso: a pobreza existe não porque o país seja pobre, mas porque é empobrecido pela gestão do Estado, que ceva a riqueza de poucos.
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